Como
quem põe o cinto de segurança mal se senta ao volante, Art Lange, responsabilíssimo
crítico norte-americano e autor das notas de apresentação deste CD, começa à
defensiva, citando Carl Jung: “Por ‘função transcendente’ não se entenda algo de
misterioso, suprassensível ou metafísico, mas sim algo que, pela sua natureza,
pode ser comparado à função matemática que tem o mesmo nome e que é uma função
de números reais e imaginários. A ‘função transcendente’ resulta da união de conteúdos
conscientes e inconscientes.” Quase que se sente o cheiro a cachimbo, para não
dizer a incenso. Mas, já agora, podia Lange alongar-se um pouco mais, até ao
ponto em que o pai da psicologia analítica, no mesmo ensaio, afirmava tratar-se
de um processo semelhante ao de “um diálogo entre dois seres humanos com os
mesmos direitos”, gerando, assim, “uma tensão carregada de energia” e uma “terceira
coisa viva”, que “leva a um novo nível de existência, a uma nova situação”.
Agora, sim, na medida exata em que Webern dizia que a sua música para cordas
(de que esta, a espaços, possui vestígios) lhe saía como poesia, estamos no
domínio da crítica musical. Aliás, estes duetos para violoncelo e violeta trazem
à memória uma frase que um outro contemporâneo de Jung (Schoenberg) escreveu precisamente
sobre as “Seis Bagatelas” (de Webern): “Em cada olhar, um poema; em cada
suspiro, um romance.” Levin e Maneri não estão, portanto, apenas num mundo de
filigrana, à beira da imaterialidade. O que produzem é conciso, mas igualmente
denso; de aparente discordância, mas absolutamente coerente. Como a melhor
poesia.
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