Ambicioso programa, este, livre de
todos os complexos e atavismos, apesar de comprometido, e, quanto muito, a
despertar o vago aroma daquela altura de arruadas e ruturas, quando o que cada um
dava mostras de saber da sua consciência política parecia depender diretamente do
que fazia com o sabor do seu corpo. O que é o mesmo que dizer que Igor Levit, pese
embora a presumível serialização da sua tese, se situa agora no pleonástico
domínio do extraordinariamente singular. Aliás, se tanto, peca o pianista por,
a preceito, apontar a seta do tempo numa só direção: i.e., as “Variações
Goldberg”, de Bach, estão no primeiro CD, as “Variações Diabelli”, de
Beethoven, estão no segundo, e as 36 variações que Frederic Rzewski compôs a
partir do ‘El pueblo unido jamás será vencido!’, escrito por Sergio Ortega e
popularizado pelos Quilapayún, vêm no terceiro, como se fossem umas precursoras
das outras. Quando é pela audição das obras no sentido contrário ao que aqui está
– de uma ou de outra maneira são três horas bem passadas – que se comprova uma
daquelas insólitas intuições de Borges: de que, por vezes, na arte, há factos recentes
que influenciam outros que lhe são mais remotos. É o que se deduz de uma interrogação
de Levit retirada às notas de apresentação deste disco: “Até que ponto posso ir
sem deixar de permanecer preso à minha âncora?” Ou seja, ao dividir os átomos
de cada conjunto de variações, além de pós-modernista, este é um registo
moralista que não tem receio de investigar o óbvio ou de sondar o inacessível.
Por sinal, uma condição inerente aos três. Inerente à própria vida.
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