Exige algum comprometimento com os aspetos
mais sentimentais da celebração que propõe, mas, com efeito, a verdade é que
este disco encerra com ‘Gracias a la Vida’, a canção que Violeta Parra terminou
pouco antes de pôr um ponto final na sua existência física com um tiro na
cabeça. Ou seja, num programa que vai liquefazendo relógios e ignorando
fronteiras, da Península Ibérica ao Chile, da Itália à Noruega, da Áustria à
Inglaterra, do Renascimento ao século XX, é como se Arianna Savall (voz e
harpa), Petter Udland Johansen (voz e rabeca) e os demais músicos do ensemble
Hirundo Maris, através de tamanha ambiguidade, viessem dizer que o amor é por
excelência o palco de todas as contradições ou, quiçá, num derradeiro arroubo
romântico, que com a morte não vem necessariamente o fim. Há aqui pelo menos
uma canção que mais do que isso não diz – ou melhor, trata-se de uma adaptação,
por Arianna, de um poema de Apollinaire (“L’adieu”) em que o narrador aspira à
eternidade. Mas as visões sobre o amor que este CD propõe são mais variadas: há
espaço para a traição (‘Rosa fresca’), para a sedução (‘Yo me soy la
morenica’), para o incesto (‘La Dama d’Aragó’), para a rejeição (‘Si dolce è il
tormento’, o famoso madrigal de Monteverdi), enfim, para a consumação (‘L’amour
de moi’ e, ao que tudo indica, também o espinhoso ‘Heidenröslein’, de Schubert
e Goethe, outro tanto não vem simbolizar). No entanto, cada perspetiva é em si
mesmo absolutamente definitiva e completamente parcial. Lá está, só a trova de
Parra se mostra capaz de conciliar contrários. A viagem só fica mais pungente
por isso.
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