A citação é oportuna: “Quem alinhe as
suas múltiplas pertenças, é imediatamente acusado de querer dissolver a sua
identidade no caldo informe onde todas as cores se apagam.” Isto escreveu Amin
Maalouf em “As Identidades Assassinas”, advertindo antecipadamente o seu
sobrinho. Mas a resposta a semelhante imputação de culpa tem-na Ibrahim igualmente
no livro do tio: “Aquilo que faz que eu seja eu e não outrem, é o facto de me
encontrar na ombreira de dois países, de duas ou três línguas, de várias
tradições culturais.” Dir-se-ia que nunca o demonstrou de modo tão convincente
quanto neste “Kalthoum”, em que prossegue por uma via estreita entre dois
precipícios, o da música clássica árabe e o do jazz. Vem homenagear uma das
maiores vozes do século XX, Oum Kalthoum, a "Estrela do Oriente", a "Sexta
Pirâmide do Egipto", a "Mãe dos Árabes", e tinha à sua disposição dezenas de
canções imortais, nomeadamente aquelas de Ahmed Rami ou Riad El Soumbati. Mas
ao se decidir pela adaptação de ‘Alf Layla Wa Layla’ (As Mil e Uma Noites), derivada
de uma fase de declínio nas capacidades da cantora, mostra querer evocar o califado
de Harun al-Rashid, porventura desagradado com as representações do mundo árabe
no ocidente. Nesse sentido, o seu propósito é mais ideológico do que estético:
mas a ideia vale ouro. Consigo estão Frank Woeste, Clarence Penn, Larry
Grenadier e Mark Turner, capazes de tão depressa sugerir a contração neurótica
da atualidade quão a sua infinita recessão até princípios de uma antiguidade
incalculável. Como diz a canção: “E o que parecia um deserto revelou-se um
jardim.”
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