24 de dezembro de 2015

Ibrahim Maalouf “Kalthoum” (Impulse!, 2015)



A citação é oportuna: “Quem alinhe as suas múltiplas pertenças, é imediatamente acusado de querer dissolver a sua identidade no caldo informe onde todas as cores se apagam.” Isto escreveu Amin Maalouf em “As Identidades Assassinas”, advertindo antecipadamente o seu sobrinho. Mas a resposta a semelhante imputação de culpa tem-na Ibrahim igualmente no livro do tio: “Aquilo que faz que eu seja eu e não outrem, é o facto de me encontrar na ombreira de dois países, de duas ou três línguas, de várias tradições culturais.” Dir-se-ia que nunca o demonstrou de modo tão convincente quanto neste “Kalthoum”, em que prossegue por uma via estreita entre dois precipícios, o da música clássica árabe e o do jazz. Vem homenagear uma das maiores vozes do século XX, Oum Kalthoum, a "Estrela do Oriente", a "Sexta Pirâmide do Egipto", a "Mãe dos Árabes", e tinha à sua disposição dezenas de canções imortais, nomeadamente aquelas de Ahmed Rami ou Riad El Soumbati. Mas ao se decidir pela adaptação de ‘Alf Layla Wa Layla’ (As Mil e Uma Noites), derivada de uma fase de declínio nas capacidades da cantora, mostra querer evocar o califado de Harun al-Rashid, porventura desagradado com as representações do mundo árabe no ocidente. Nesse sentido, o seu propósito é mais ideológico do que estético: mas a ideia vale ouro. Consigo estão Frank Woeste, Clarence Penn, Larry Grenadier e Mark Turner, capazes de tão depressa sugerir a contração neurótica da atualidade quão a sua infinita recessão até princípios de uma antiguidade incalculável. Como diz a canção: “E o que parecia um deserto revelou-se um jardim.”

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