28 de fevereiro de 2009

Oumou Sangare "Seya"


Virá com o território de qualquer “diva global”. E na semana em que a cantora cumpriu o seu 41º aniversário não arriscará muito quem sugerir ter chegado a hora do franchise. Será por isso um sinal dos tempos que “Seya” reincida na “abertura estética” de “Worotan” (1996) e que tenha ponto de partida formal no menos inspirador do passado recente – a aproximação a Sade em ‘Magnoumako’ ou a Angelique Kidjo em ‘Yala’, dois dos inéditos em 2003 incluídos na retrospectiva “Oumou”. O que, em termos criativos, só fará aumentar a nostalgia pelo mundo novo anunciado em “Moussolou” (1989) e “Ko Sira” (1993). E se os recursos estilísticos deste álbum (elenco: Cheick Tidiane Seck, Djelimady Tounkara, Fred Wesley, Pee Wee Ellis, Tony Allen, Will Calhoun ou Tony Remy) correspondem à Bamako em que Sangare gere associações de solidariedade, um hotel, uma quinta e a marca Oum Sang (os todo-o-terreno importados da China), é também verdade que o seu conteúdo político, numa voz que de forma ímpar cantou a condição feminina no Mali, surge hoje com a mesma lógica de uma linha de montagem. Em ‘Fragmento do diário de Oumou Sangaré’ Miguel-Manso antecipou esta futriqueira pop wassoulou – a poesia continua a fazer a melhor crítica musical. O resto é com a Oprah.

21 de fevereiro de 2009

"Bollywood Steel Guitar"

Entre técnicas centenárias e histórias de emigração e pirataria portuguesas, a steel guitar conquistou o cinema de Bombaim quando hollywood inventou o country. A possível consequência? Twists estivais em rodopio acordeonista, mariachi psicadélico, violinos ciganos temperados por vibrafones do jazz-fim-de-noite, valsas embrulhadas em western swing, sitar filtrada por funcional cartoon music, tablas batucadas em boogaloo boca-de-sino, cascatas de cordas a tombar no tango, histriónicos harmónios com fundo electro-funk ZX Spectrum, Morricone espectral, distorção em transicord e fuzz aos tropeções. Isto é, plena equivalência para narrativas com encadeamentos, alternâncias e encaixes, analepses e prolepses em achaque, triângulos amorosos, vil misticismo, irmãos separados à nascença, insinuação de incesto ou meretrizes em martírio. Aqui incluem-se versões instrumentais de temas das décadas de 60 e 70 (estreados em épicos como “Sholay”, “Amar Akbar Anthony” ou “Muqaddar Ka Sikandar”) e imortalizados nas vozes de Rafi ou Mangeshkar. Mas são os guitarristas – Van Shipley, S. Hazara Singh ou Sunil Ganguly – que estão como Ali Babá na gruta. A editora ignora os compositores: R.D. Burman, Shankar-Jaikishan ou Laxmikant-Pyarelal. Está perdoada.
Versão de Van Shipley de 'Jan Pahechan Ho':

Versão original (do filme "Gumnaam") cantada por Mohammed Rafi:

7 de fevereiro de 2009

Bengt Berger & Kjell Westling "Live in Stockholm 77"

O título valoriza o momento. Mas a história deverá ocupar-se da qualidade e menos da cronologia. E numa arte de poemas há quem aspire ao longo mergulho na prosa, revelando o tempo certo daquilo que a contingência abreviou. A estes suecos, discípulos de Don Cherry que em “Organic Music Society” ou “Eternal Now” fizeram corar décadas de teoria antropológica, não haverá antologia que valha. Até porque toda a sua obra, por definição, é una. E a combinação do jazz espiritual com a tradição escandinava nos Arbete Och Fritid, o ar do deserto nos Spjärnsvallet ou a percussiva exploração da noite tropical em síncrona filiação na música clássica indiana dos Archimedes Badkar têm aqui renovada pertinência. A crua síntese desta realidade filha dos anos 70 – gravada para a ECM em 1981 por uma Bitter Funeral Beer Band tutelada por Berger e Cherry mas permeável ao pulsar de uma aldeia africana – escancarou portas em vez de as fechar. Por tudo isto, é apenas natural que hoje, em countryandeastern.se, Berger revele as peças que faltam: concertos da Beer Band de meados de 80s, música fúnebre do Gana, o mestre do sarod K. Sridhar e, claro, estes diálogos de sax e bateria que reduzem o mundo a um belo instante.