Num tratado de 1606, o teórico
alemão Joachim Burmeister define hipotipose nestes termos: “Ornamento através
do qual se elucida de tal maneira o significado de um texto que as suas
palavras, em si mesmo desguarnecidas de alma, se enchem subitamente de vida.”
Isto é, no contexto da criação musical, trata-se de uma técnica apta a conferir
ao poema uma “presença sensorial”, como sugeriu Heinrich F. Plett. É uma
citação oportuna, pois neste “Les Éléments” constam obras em que o efeito
assumiu proporções concetuais: peças para uma adaptação de “A Tempestade”, de
Matthew Locke (organista de Catarina de Bragança), a “Música Aquática”, de Telemann,
o “La Tempesta di mare”, de Vivaldi, árias de marinheiros e tritões de “Alcione”,
de Marin Marais, caracterizações de trovoadas e tremores de terra com origem em
“As Índias Galantes”, “Hipólito e Arícia” e “Zaratustra”, de Jean-Philippe
Rameau (também de Rameau, e segundo notas de apresentação, do alinhamento do
disco deveria ainda constar uma ária extraída a "As Boréades", facto que
a sua audição não confirma) e, claro, “Les
Éléments”, de Jean-Féry Rebel. O resultado é convincente, com Savall a manobrar
pela amotinada mitologia do mundo marinho e a acentuar o alvoroço inerente a
cada composição original, acionando a imaginação do ouvinte pela invocação das assombrosas
forças que obram no universo. No nosso planeta, sabe-o bem o maestro catalão,
nenhuma é mais temível do que a do Homem*. Daí a sua advertência final: “A Terra
está em perigo.” O que leva a repensar a retórica deste programa – é que se suspeita
que chegará o dia em que não virá mais a bonança depois da tempestade.
* É o que inevitavelmente se conclui através da leitura de um texto no qual Savall chega a mencionar as alterações climáticas. Mas dir-se-ia que, aqui, tamanha responsabilização logo ganha paradigma em termos gráficos, com a reprodução, na capa, de "O Navio Negreiro", um quadro de Turner. Basta, aliás, pensar no título original da obra, que se poderá assim traduzir: "Negreiros Atiram Mortos e Moribundos Borda Fora - Aproxima-se um Tufão".
* É o que inevitavelmente se conclui através da leitura de um texto no qual Savall chega a mencionar as alterações climáticas. Mas dir-se-ia que, aqui, tamanha responsabilização logo ganha paradigma em termos gráficos, com a reprodução, na capa, de "O Navio Negreiro", um quadro de Turner. Basta, aliás, pensar no título original da obra, que se poderá assim traduzir: "Negreiros Atiram Mortos e Moribundos Borda Fora - Aproxima-se um Tufão".
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