Com
proveniência nos arquivos da CBS e da RCA, prossegue a série “Masters”, da Sony,
com um punhado de títulos particularmente inspirado, entre os quais se destacam
ciclos sinfónicos integrais de Schubert ou Beethoven, respetivamente sob as
eméritas batutas de Sir Colin Davis e Bruno Walter, ou este, que aqui nos traz,
consagrado à obra orquestral completa de Ravel, em que, por sinal, nada
obedecia a batuta alguma – Boulez conduzia a orquestra com as duas mãos, cada gesto
seu calculado para trazer à memória aquelas passagens da bíblia em que se
invocam a diligência e a destreza com que o oleiro molda a peça de barro (pense-se
em versículos de Isaías ou, mais apropriadamente, noutros de Jeremias, visto não
terem sido poucos os que o aclamaram como profeta). Pierre Boulez faleceu no
passado dia 5, aos 90 anos. Não será de somenos importância lembrar agora que,
sob o pretexto de sublinhar o seu prestígio enquanto compositor e maestro, não há
chancela que não tenha já cumprido com as suas obrigações: a DG com “20th
Century” (44 CD) e “Le Domaine Musical” (10 CD), a Warner com “The Complete
Erato Recordings” (14 CD), a Sony com “The Complete Columbia Album Collection”
(67 CD), edições essenciais, exaustivas, extenuantes. Mas esta antologia com registos
dos anos 60 e 70 possui proporções incontestáveis, ainda que retrate um Boulez farto
em contradições: empático nos seus propósitos mas apto a agir em interesse
próprio; inabalável nos seus princípios e, quiçá por isso, com tendência para a
intriga; tão à vontade com a autoridade excessiva como com a liberalidade sem
restrições; um elitista à imagem do século que o viu nascer. Comparadas com
subsequentes releituras do mesmo repertório com a Filarmónica de Berlim ou a
Sinfónica de Londres, são propriedades que estas interpretações trazem a lume. Aqui
– mais que clínico, dir-se-ia, de modo cínico – a ênfase é conferida ao timbre,
à cor, à pulsação, ao ritmo, mais à forma que ao conteúdo, isto é, ao que
Boulez não considerava tão menosprezível, sendo que cada estrutura se mantém no
geral plácida e no pormenor impaciente, na aparência fácil de prever e no âmago
plena de imponderáveis. E nunca o melhor de Ravel soou tão bem.
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