É de
renascimento que se fala. Mas a verdade é que, por entre apelos à fraternidade,
este disco não podia gozar de um preâmbulo mais canónico, com Kandia Kouyaté a
dirigir louvores aos seus antepassados. Dir-se-ia um impulso sincero. Afinal, e
enquanto fiadora da coesão nacional, outra coisa não seria de esperar de uma jelimuso – para mais perante as
sucessivas ameaças à integridade territorial do seu país. Por outro lado, ainda
que resista a cruzar o umbral do século XIII – através da evocação da “Epopeia
de Sundiata”, tese inceptiva quer do Império do Mali, quer da sua genealogia
artística – não deixa de gerar um efeito conservador, mal disfarçando os tiques
de soberania cultural da sua casta.
É uma entre as muitas contradições de “Renascence”, ou melhor, entre as suas muitas dores, pois nada do que aqui está se estaciona propriamente à margem do fluxo interminável da vida e da morte. Nessa perspetiva, ao trazer à memória um longo período de convalescença, possui particular pungência em ‘Sadjougoulé’ (doença). É que, tendo sofrido um AVC em 2004, não se imaginava que Kandia pudesse voltar a cantar ou, pelo menos, que o viesse a fazer de forma tão retaliativa e avassaladora. Deve-o a Ibrahima Sylla, o seu produtor, conforme esclarece em depoimentos reproduzidos nos materiais de promoção da Sterns: “O disco só existe por causa dele. Em estúdio, tinha sempre uma palavra de alento. Pedia-me que cantasse o que me passasse pela cabeça e eu respondia-lhe que não conseguia, que me tinha esquecido de tudo. Mas ele insistia: não te preocupes, amanhã hás de te lembrar.” No fundo, é possível que fosse Sylla a suspeitar que não conduziria as operações até final: de facto, faleceu em 2013, após doença prolongada. É, então, perfeitamente apropriado que, de modo a garantir a sua conclusão, tenha convocado François Bréant, o orquestrador e multi-instrumentista a que no passado recorreu quando quis levar uma voz – do Salif Keita de “Soro” e do Sékouba Bambino de “Sinikan” à Bako Dagnon de “Titati” – a transcender a dimensão do folclore. Nos anos 90, porque se relatavam muitos desmaios nos concertos de Kandia Kouyaté, chamavam-lhe “A Perigosa”. Nunca o foi tanto quanto agora.
É uma entre as muitas contradições de “Renascence”, ou melhor, entre as suas muitas dores, pois nada do que aqui está se estaciona propriamente à margem do fluxo interminável da vida e da morte. Nessa perspetiva, ao trazer à memória um longo período de convalescença, possui particular pungência em ‘Sadjougoulé’ (doença). É que, tendo sofrido um AVC em 2004, não se imaginava que Kandia pudesse voltar a cantar ou, pelo menos, que o viesse a fazer de forma tão retaliativa e avassaladora. Deve-o a Ibrahima Sylla, o seu produtor, conforme esclarece em depoimentos reproduzidos nos materiais de promoção da Sterns: “O disco só existe por causa dele. Em estúdio, tinha sempre uma palavra de alento. Pedia-me que cantasse o que me passasse pela cabeça e eu respondia-lhe que não conseguia, que me tinha esquecido de tudo. Mas ele insistia: não te preocupes, amanhã hás de te lembrar.” No fundo, é possível que fosse Sylla a suspeitar que não conduziria as operações até final: de facto, faleceu em 2013, após doença prolongada. É, então, perfeitamente apropriado que, de modo a garantir a sua conclusão, tenha convocado François Bréant, o orquestrador e multi-instrumentista a que no passado recorreu quando quis levar uma voz – do Salif Keita de “Soro” e do Sékouba Bambino de “Sinikan” à Bako Dagnon de “Titati” – a transcender a dimensão do folclore. Nos anos 90, porque se relatavam muitos desmaios nos concertos de Kandia Kouyaté, chamavam-lhe “A Perigosa”. Nunca o foi tanto quanto agora.
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