Houve sempre algo de descoroçoante nas
extensas improvisações de Tim Berne. Como se o seu heroico voluntarismo fosse na
realidade uma forma distorcida de sonegação. Beneficiando de uma conjuntura – a
do pós-punk – em que imprevisibilidade e incoerência se confundiam, mesmo nos
seus mais dispersos registos se identificava um teor vingativo praticamente
compulsório embora perversamente cativante. Só em “Mutant Variations” (1984) ou
“Sanctified Dreams” (1988) pareceu tecnicamente à altura das suas ambições,
justapondo materiais até níveis hemorrágicos mas igualmente capaz de desobstruir
artérias com aparente facilidade. “Fractured Fairy Tales”, título do seu LP de
1989, mantém-se um retrato exato das suas composições. Seguiram-se-lhe álbuns cruciais
com Caos Totale ou Bloodcount, nos quais a sua intransigência se provou
ilimitada, a roçar o ensimesmado onirismo, e em que ensaiou estratégias dignas de
fascinar um morfologista. Até que tudo o que de mais climatericamente volátil havia
esboçado ganhou consistência em “Science Friction” (2002), escultórico, denso, de
um inusitado sentido de justiça. Foi à porta de um dos responsáveis por essa
façanha – o atmosférico guitarrista e produtor David Torn – que Berne foi agora
bater para o segundo tomo do seu quarteto na ECM. É uma redundante artimanha,
que deprecia ligeiramente a entrega, estrenuamente testada, de Matt Mitchell
(teclados), Oscar Noriega (clarinetes) e Ches Smith (percussão), pondo a
descoberto uma escrita com carências. Ou melhor, como quem retoma um antigo
vício, e apesar de, a espaços, se atingir aqui a estruturada fluidez da
obra-prima “Snakeoil” (2012), quanto mais Berne conjetura menos interessante se
torna, e chega a soar rapsódico por tanto aspirar à monumentalidade. São
vicissitudes naquilo que se destina a viver à sombra de um clássico.
Sem comentários:
Enviar um comentário