11 de julho de 2020

Schumann/Mendelssohn: Piano Trios (Hyperion, 2020)

Schumann e Mendelssohn. Está certo, sim senhor, desde que se permita ao bico do lápis vermelho do patriarcado ir ali acrescentar um asterisco, pois é de Clara Schumann (1819-1896) e de Fanny Mendelssohn (1805-1847) que se fala – ah, se ao menos sucessivas gerações de censores tivessem usado a outra ponta do lápis para tirar a cera dos ouvidos! Mas o mal estava feito – e mesmo quando se repara na obra que deixaram, o que é raro, se aproveita para distinguir o sal das oportunidades perdidas quando seria mais vantajoso detetar os níveis elevados de glicose que a caracterizam. Pois, nada dava mais satisfação a Clara que uma tarde passada a compor, absorta, esquecida de si, a “respirar por entre as esferas dos tons”, enquanto Fanny se sentiu “renascida” quando viu finalmente concretizado este seu trio – infelizmente, um ano depois estava morta; e de Clara, por sua vez, não consta que tivesse tempos livres (conforme notou no seu diário, citado por Monica Steegmann, em biografia: “Nem uma horinha, o dia todo, tenho para mim!”). Não sai da lembrança de Clara que é mulher de Robert Schumann, nem de Fanny que é irmã de Felix Mendelssohn, por isso não admira que, quer uma, quer outra, nestes trios para piano, violino e violoncelo, fizesse das pautas uma marquesa e se dedicasse a aliviar toda a dor, toda a tensão e ansiedade que logo, aqui, às primeiras notas se acumula. Na sua vida privada, por sinal escritas mais ou menos na mesma altura, são obras que possuem eco num par de cartas: uma de Clara, quando admitiu que não podia, “de maneira nenhuma, abandonar” a sua arte, ou correria o risco de se “arrepender para sempre”; outra de Fanny, que dizia a Felix que se podia rir dela à vontade, se assim entendesse, que não seria por isso que ela deixaria de ter “tanto medo dos [seus] irmãos, aos 40, quanto havia tido do pai, aos 14”. Quem o conta, em pormenor, é Anna Beer, em “Sounds and Sweet Airs: The Forgotten Women of Classical Music”, tão apologista da igualdade de género que só lhe falta afirmar que isto foi como um espartilho que se lhes rebentou. Mas foi.

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