Não se trata apenas de nostalgia. Até porque sites e blogues como “Radio Africa”, “Voodoo Funk”, “World Service” ou “Likembe” – que funcionam cumulativamente como um arquivo virtual para fonogramas africanos há muito desaparecidos – têm consequências dramaticamente práticas num presente incapaz de gerar ideias originais. Por isso não se reduzirá o seu impulso à contrição dos que lamentam tempo perdido. Pelo contrário, é por seu intermédio que o espectro de acção pop revisita agora uma área que o passar dos anos foi deixando na sombra – a da música moderna com base em África. Mas porque o africanismo não terá de se limitar aos humores e às modas nos meios de produção ocidental surge também quem deite mãos à obra e tente contar a história completa. Graeme Counsel, por exemplo – o impulsionador de “Radio Africa” –, estará em Conacri até Janeiro de 2010 no âmbito do programa Endangered Archives, da British Library, a proceder à catalogação da Syliphone, editora estatal da Guiné. Confirma-se ainda como titular oficioso da série “Authenticité”, através da qual a Sterns restaura históricas gravações de Bembeya Jazz, Balla et ses Balladins, Super Boiro Band ou, de forma absolutamente imaculada, Keletigui et ses Tambourinis. E ao recompensar a relevância estética do que durante décadas se enquadrou na propaganda independentista reflecte o seu trabalho uma inegável dimensão simbólica: a de que a cultura sobrevive à margem de todas as manipulações. Aqui, recuperando a banda de Kélétigui Traoré (falecido há menos de um ano), revê-se a política de autenticidade mandinga instaurada pelo ditador Sékou Traoré e revela-se uma visão que nela se baseou mas em muito a transcendeu. Porque soube diluir fronteiras até ao ponto em que introduções em saxofone a evocar Lester Young, versões do Sexteto Habanero cantadas em espanhol, rumba congolesa, solos de trompete derivados daquilo que Félix Chappottin fazia na charanga de Arsenio Rodríguez, ritmos antilhanos similares aos que levaram Richard Berry a compor ‘Louie Louie’ e o mais primordial melodismo folclórico em quase tudo comum ao do Mali – e empregue de forma semelhante à da Rail Band – serviram para justificar o injustificável: a invenção de uma identidade mais guineense do que africana. E na sua audição cronológica identifica-se um discurso progressivamente menos formular, ainda que sempre permeável à diáspora, e, em paralelo, desvenda-se uma meta-narrativa que à luz da actual música que de si deriva – de Vampire Weekend a The Very Best – se prova insuperavelmente densa e enérgica. Uma imperdível lição.
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