Se pela destreza de acompanhantes e génio de compositores nunca foram, em rigor, exclusivamente seus os discos que Carmen Miranda editou, neste caso ter-se-á que elevar a figura de Henrique Cazes da condição de ideólogo para a de co-autor. Porque a isso obrigam os 70 anos que separam o outrora mentor do Conjunto Coisas Nossas destas gravações da ‘pequena notável’, porque a visão que impõe nos arranjos e remistura actualiza-as de acordo com actuais parâmetros de acústica e, fundamentalmente, porque é impossível confundir a sua acção com um acto de revisionismo estético. Muito pelo contrário, os violões e cavaquinhos (seus e de Luís Filipe Lima), sopros (de Dirceu Leite) e percussão (do seu irmão, Beto Cazes, e de Ovídio Brito) que juntou aos de tantas décadas atrás vêm, precisamente na combinação com os sons que a rodeavam, esclarecer o singular posicionamento da voz de Carmen, revelando assim, em exemplares e inéditas condições, um arsenal técnico de moderníssima configuração: invulgar domínio de métrica, absoluto controlo da respiração, solidez tonal, inconfundível timbre ou – dramaticamente, quando comparada com a produção nos E.U.A. nos anos 40 – um distinto deleite na articulação da língua portuguesa. Peca a edição – com produção de Ruy Castro, autor em 2005 da biografia “Carmen” – apenas por escassez (do mesmo período, o da Odeon, poderiam também aqui figurar ‘E Bateu-Se a Chapa’, ‘O Tic-Tac do Meu Coração’, ‘Cantores de Rádio’, ‘Quando Eu Penso na Bahia’, ‘Na Baixa do Sapateiro’ ou ‘Boneca de Pixe’) e por omissão (são ignorados colaboradores como a irmã Aurora, Almirante, Laurindo Almeida, Russo do Pandeiro, Bando da Lua, Garôto, Benedito Lacerda, Luperce Miranda ou Luís Americano e os cantores nos dois duetos – Dorival Caymmi em ‘O Que é Que a Baiana Tem’ e Luiz Barbosa em ‘No Tabuleiro do Samba’). Fora isso, é cinco estrelas.
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