Jorge Ben Jor, como há vinte anos se chama, nunca se deu bem com a crítica porque a crítica raramente premiou o sucesso. Além de que o crítico, como um explorador marítimo costeiro e temente a Deus, apanha banhos de sol mas não aprende línguas estranhas. Faltou reconhecer-lhe em ‘Uála Uála-lá’, de 63, um acto civilizacional semelhante àquele em 59 idealizado pelo ‘Hô-bá-lá-lá’ de João Gilberto. Se a canção de João ficou na sombra de ‘Chega de Saudade’, a de Ben deixou de existir mal se ouviu ‘Mas Que Nada’ – nos EUA não se percebia “samba de preto tu”.
O anedotário benjoriano tem costas largas (o processo contra Rod Stewart, a mudança de nome), ainda que assente nessa ideia de ressurreição à custa de um tema só. É uma meditação apropriadamente pascal, e Jorge, tão humano ao jamais exercer soberania, pacificou-a há muito. Nele, contrariando-se a noção de Einstein de Tempo, tudo acontece de uma só vez, como no “amanhã eterno” que Borges leu em Unamuno. E o que quantificou em oito LP de originais, de “O Bidú – Silêncio no Brooklin” em 67 a “África Brasil” em 76 – uma concentração de energia capaz de suster o mal do mundo nos anos de chumbo, de intuir pensamento colectivo sem politizar mais que a cor da pele, de se tornar no ritmo da vida e refundar a felicidade enquanto utopia universalista –, não tem paralelo tão rigoroso (além do óbvio – Beatles, Dylan, Marley, Stones, Stevie Wonder…) na música popular.
Esta antologia chega-nos pela mão dos DJ Sean Marquand e Greg Caz e, incluindo raridades (Marijô, Cyro Aguiar ou Salinas), é exemplar. As versões reunidas – de temas inéditos na voz do seu autor ou com estreia em “Força Bruta”, “Negro é Lindo” ou “Ben” – situam-se maioritariamente entre 69 e 72, quando a sua produção exactificava todas as outras: temos Elza Soares penteando o samba com um afro em ‘Pulo, Pulo’, Osmar Milito sincreticamente suspenso entre a síncope de João Donato e o espraiar de Marcos Valle em ‘Rita Jeep’, Wilson Simonal, seu intérprete perfeito, sintetizando toda a escola vocal masculina em ‘Zazueira’ e ‘País Tropical’ ou Os Brazões estilhaçando o tropicalismo até encontrar o funk mais enxuto em ‘Que Maravilha’ e ‘Carolina, Carol Bela’. A ausência dos peso-pesados explica-se pela criticada relutância da Universal em licenciar repertório – no mesmo período, e de memória, pertencem ao seu catálogo ‘Jorge de Capadócia’ por Caetano, ‘Tuareg’ por Gal, ‘Queremos Guerra’ por Gil, ‘A Minha Menina’ pelos Mutantes ou ‘Bicho do Mato’ por Elis. Não importa. O que está e o que falta é uno, servindo apenas para relembrar que o futuro da MPB não é mais que um tempo por onde passou já Jorge Ben Jor.
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