9 de novembro de 2019

Lumingu Puati “Mosese” (BBE, re. 2019)


Só Zambujo, realmente, para propor uma variação tão iníqua e impúbere de Zorro: “Eu quero marcar um Z dentro do teu decote/ Ser o teu Zorro de espada e capote”, cantava ele, realizando um retrato algo criptogâmico da personagem pela tibiez do seu tom, sim, mas, apesar de tudo, transformando o florete de um justiceiro no ferrete de um opressor. No mesmo erro não caiu André Lumingu Puati, dito “Zorro”, em 1979, quando gravou este seu prodigioso disco. Afinal, vinha avisado, com o escândalo desencadeado por Franco Luambo a fazer correr muita tinta, provando que mesmo as ações da mais poderosa figura do meio musical de Kinshasa eram alvo de escrutínio (e sanção – a censura reagiu ao lançamento de ‘Sous-Alimentation Sexuelle’ impondo-lhe uma suspensão de atividade de dois meses). Aqui, pelo contrário, quando o narrador se atreve a falar de uma namorada, é para fazer confissão da própria culpa! Nem podia ser de outra maneira. “Zorro” Lumingu notabilizou-se sempre que cantou em prol dos fracos e oprimidos – e, nem de propósito, na capa de “Mosese” traz vestida uma t-shirt do Homem-Aranha debaixo do blusão de ganga. 

Não estava na mesma liga de Franco, como é óbvio (no período, além de Tabu Ley Rochereau e de Verckys, poucos estavam, na verdade), mas também não era nenhum desconhecido – dez anos antes, com “Chantal”, “Apôtre”, “Dechaud” e “De La France”, isto é, precedendo o abalo causado pelo decreto da authenticité na nomenclatura congolesa, havia integrado uma lendária formação da African Fiesta Sukisa, de Nicolas Kasanda (o “Docteur Nico”). E, por falar em authenticité, as credenciais de “Zorro” incluíam ainda a Géant Orchestre Malebo (ex-African Soul). Faltava-lhe, quanto muito, um vocalista mais carismático – nessa medida, para além de Franco, Tabu Ley e Verckys, não poderia sequer competir com a Empire Bakuba, de “Pepe Kalle”, ou com a Viva La Musica, de “Papa Wemba”. Talvez por isso, ou porque em finais de 70, na realidade, a gravata que Mobutu fazia ao país sufocava tudo e todos, tenha partido para a Nigéria, onde gravou “Mosese”, e, depois, para a Europa, onde viveu quase até ao fim dos seus dias – humildemente, mas rodeado por gente que sabia que “Zorro” havia deixado a sua marca na rumba congolesa.

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