Não, não há aqui Montéquios e Capuletos. Mas há Malteses e
Caputos, Maiales e Carusos, Meyers, Maxes e Cohens. (Dir-se-ia uma reação à
famosa frase de Maria Remarque: “A morte de um é uma tragédia, a de milhões,
estatística.”) De modo crucial, há vários Bernsteins. Três, para ser exato –
Morris Bernstein, Jacob Bernstein e Essie Bernstein. Por isso, sim, no terceiro
andamento deste “Fire in my Mouth”, quando se escutam as aspirações dessa gente
toda – “Quero falar como uma americana// Cantar como uma americana// Sonhar
como uma americana”, repetem as 110 mulheres do Young People’s Chorus of New
York City – é em ‘America’, de “West Side Story”, precisamente, que se pensa, e
naquele refrão com castanholas no sotaque do “Eu gosto de estar na América/ OK,
por mim, na América”. Ou melhor, pensa-se na adaptação do musical de Leonard
Bernstein e Stephen Sondheim, inspirado em “Romeu e Julieta”, ao grande ecrã,
quando, no mesmo número, o que se ouve é um incisivo: “A vida é boa na América/
Se fores branco na América.” Porque, na verdade, neste oratório, Julia Wolfe não
concede um minuto, sequer, de ilusão às suas narradoras, e consequentemente à
sua plateia, porventura receando que a semente da ignorância pudesse dar alento
à esperança e tornando claro desde o início – ‘Immigration’, chamou ao primeiro
andamento – que elas têm já o destino traçado.
No caso, o de virem a ser
consumidas pelas chamas do incêndio que deflagrou a 25 de março de 1911 num
edifício da baixa de Nova Iorque – sede de uma fábrica de manufatura têxtil, a
Triangle Shirtwaist – e que tirou a vida a 146 pessoas, na sua maioria
raparigas entre os 14 e os 23 anos, recém-chegadas da Europa de Leste e do sul
de Itália. Aliás, em ‘Factory’, o segundo andamento, dá-se por um brilhante
achado retórico, quando uma alienante cacofonia criada para simular o ruído
fabril é envolvida por um lamento em ídiche, de um lado, e por uma tarantela,
do outro – o atonalismo, tal como preconizado por Schoenberg, e o futurismo,
como enunciado por Marinetti, presos num abraço fatal com a única música
acessível às costureiras, que era aquela que tradicionalmente os seus pais cantavam.
Como em “Mothers Shall Not Cry”, de Jonathan Harvey, ou “On the Transmigration
of Souls”, de John Adams, quando, a fechar, são entoados os nomes de quem faleceu,
é o nosso que parecemos ouvir, saído da boca do inferno.
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