11 de fevereiro de 2014

Robson Jorge & Lincoln Olivetti [Uma introdução às playlists/ An introduction to the playlists]


[English text below]

Desde finais da década de 70 até meados dos anos 80, manobrando por entre diferenças de género e classe, Robson Jorge e Lincoln Olivetti – em cima retratados na capa do seu único LP em nome individual, editado em 1982 pela Som Livre – escreveram, orquestraram, produziram e tocaram em inúmeros êxitos dos mais variados artistas. De antigas vedetas ressuscitadas a estimulados estreantes em busca de tempo de antena televisivo, de estilistas regionais disputando verve urbana a estrelas consagradas empenhadas em provar-se à altura dos acontecimentos, de bailarinos e atores em inflexão de carreira a guionistas e realizadores de humores dilatados, quase não houve quem, procurando sucesso e fantasia, não fosse bater à porta da dupla de compositores e multi-instrumentistas. Foram, nessa medida, insuperavelmente democráticos, contrariando tendências de elitismo na indústria cultural brasileira.

O seu estilo foi único e epocal – traçado na confluência e redireccionamento do hedonista e cintilante disco sound, da devota e sensual soul, do melífluo e transparente AOR, do jazz fusion mais detalhado e maneirista ou do funk mais oleoso e prazenteiro – e tornou-se num símbolo de modernidade para a MPB. Quando não estava nos discos estava nas bandas-sonoras das novelas, colando-se como uma segunda pele aos mais carismáticos argumentos da Globo. Até que – invariavelmente acusado de superficialidade temática, monotonia estética e dependência de um formulário criativamente alheado da realidade – a perda de favor crítico impulsionou o inopinado revisionismo dos seus feitos. Como de costume, novos tempos exigiam novos sons.

A partir de então, de modo inexplicável para quem, como eu, em criança, acompanhava essa cena musical à distância e não se enjoava com aquelas marés de sintetizadores, Robson Jorge e Lincoln Olivetti perderam protagonismo nas contracapas dos LPs – que não nos de Roberto Carlos, Tim Maia ou Xuxa, onde se patrulhavam rigorosamente os seus impulsos – e assim se dissipavam as promessas de exotismo e futurismo que até os seus nomes pareciam concentrar: Robson lembrava-me o herói das aventuras descritas por Daniel Defoe que então descobria em banda-desenhada, Olivetti associava aos computadores pessoais italianos que na altura se impunham nos lares mais afluentes entre a vizinhança.

A verdade é que Robson Jorge e Lincoln Olivetti eram já um arcaísmo fonográfico quando surgiu o CD. Uma década e qualquer coisa mais tarde – pouco se sabia acerca do seu destino –, uma nova geração de colunistas, bloggers, pesquisadores, jornalistas e ativistas vários em plena revolução tecnológica, mesmo tentando fazer-lhes justiça, apenas prolongou essa revanche, insistindo em mencioná-los – se é que de todo o fazia – como quem refere criminosos de lesa-pátria. Dei agora por isso.

Foi a edição de “AOR”, de Ed Motta, trazendo-me de novo à memória algumas das suas técnicas, que me levou a procurar algo que jamais imaginei não existir: uma discografia compreensiva e organizada das suas produções e participações, extensas e representativas playlists em plataformas de distribuição de conteúdos digitais a si devotadas, um blogue fanática e obcessivamente dedicado a Robson Jorge (entretanto já falecido) e Lincoln Olivetti (gradualmente recuperado na última meia-dúzia de anos).

De facto quase nada disso encontrei. Não se pode dizer que fosse urgente colmatá-la mas chocou-me a falta de informação e reconhecimento que esta ausência pressupunha. Recorrendo quase exclusivamente ao ‘palácio da memória’ criei, para combater tal subvalorização, estas cinco compilações [1, 2, 3, 4, e 5] de temas – ou escritos ou produzidos ou arranjados ou em que tocam um ou os dois – com a marca da dupla, impondo-me apenas a difícil regra de não repetir artistas. Fazendo-o, levei mais luz a um sítio que estava escuro.

[From the late 70s to the mid 80s, manoeuvring between class and genre differences, Robson Jorge and Lincoln Olivetti – portrayed above on the cover of their only, eponymous, 1982 LP – wrote, arranged, produced and played on countless hits performed by a wide range of Brazilian artists. From resuscitated old starlets to exciting newcomers looking for a TV time slot, from regional stylists fighting for urban verve to time tested celebrities looking to prove themselves in with the new scene, from dancers and actors wanting to change careers to producers and directors with dilated egos, there was hardly anyone who on a quest for success and fantasy didn’t turn up at the door of this composer and multi-instrumentalist duo.

Their style was utterly unique and completely of its time – traced in the confluence and redirection of the opulent and scintillating disco sound, devout and sensual soul, mellifluous and transparent AOR, detailed jazz rock or fun-seeking funk – and became a symbol of modernity for MPB. Both on records and on telenovela soundtracks, it stuck to Globo’s most charismatic plotlines like a second skin. Until – invariably accused of superficiality in its themes, monotony in its aesthetics and dependency on a formulaic creativity – it lost the favour of critics and became the target of opinionated revisionism. As is so often the case, a new reality beckoned a new sound.

From that point on, inexplicably for those who, like myself, spent their childhood following the Brazilian music scene from a distance and could never grow sea-sick at the constant tides of synths, the names of Robson Jorge and Lincoln Olivetti lost their place on the back covers of LPs – except for those of Roberto Carlos, Tim Maia or Xuxa, where their impulses were, however, carefully reigned in – and just like that the promises of exoticism and futurism that even their names suggested seemed to evaporate: Robson reminded me of Defoe’s hero whose adventures in cartoon form I had just discovered and I associated Olivetti with the Italian PC’s that were becoming a staple in the wealthier homes of the neighbourhood.

The truth is Robson Jorge and Lincoln Olivetti were already a phonographic relic by the time the CD made its first appearance. A decade later – little was known of their fate – a new generation of chroniclers, bloggers, researchers, DJs and sundry activists in the middle of a full-blown tech revolution of the culture industries, instead of rescuing them, merely prolonged the trend, insisting on mentioning them – when they were mentioned at all – as some sort of national traitors. I actually only just realized this.

Ed Motta’s “AOR” is what brought back the memory of their techniques and led me to look for something I could never imagine would not exist: a comprehensive discography of their productions and participations, extensive and representative playlists in digital distribution platforms devoted to their work, a fan blog obsessively dedicated to Robson Jorge (now deceased) and Lincoln Olivetti. In fact, I found none of these. It can be argued that it’s hardly an urgent need to fulfil yet I was shocked at the lack of information and acknowledgement this absence indicates. In order to fight back this unappreciation and using almost exclusively the “mind palace”, I created these five mixes  [1, 2, 3, 4, and 5] of songs – either written produced or arranged by the duo or where one or both feature as musicians – that illustrate the duo’s trademark sound. My only rule, one that was difficult to enforce, was to not feature any given artist more than once. And so, I hope the “mind palace” became a little bit brighter.]

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