Sempre
literato (depois de referências nos seus discos a obras de Joyce, de Lautréamont
e da poetisa Wislawa Szymborska, com a qual chegou a colaborar),
Tomasz Stanko evoca agora Bruno Schulz, o malogrado autor
de “As Lojas de Canela”, executado em 1942 num ajuste de contas entre oficiais nazis.
É a confirmação de um pendor erudito na sua produção, que, à primeira vista, se
diria de todo ausente do seu credo artístico, de tal maneira a sua música
parece dominada pelo instinto que leva um evadido a apagar os vestígios que
deixa pelos sítios por onde vai passando. Em “A Rua dos Crocodilos”, há, aliás,
um parágrafo de Schulz que se diria descrever algo do que aqui se deteta: “A
maior fatalidade deste bairro é que nele nada se realiza, nada chega a ser definitivo:
todos os movimentos iniciados se suspendem no ar, todos os gestos se esgotam
prematuramente sem ultrapassar o ponto de inércia. Todo ele não é senão a
fermentação de desejos despertados precocemente, e por isso exânimes e vazios. […]
Em nenhum outro lugar pressentimos tantas possibilidades quanto aqui, ficamos tão
perto da consumação. Mas não se vai para além disso.”
Também este “December
Avenue”, no qual as melodias se espalham com o sopro do vento, é mais sugestivo
que persuasivo, enigmático, esboçado, insinuante, indeciso, reduzido à citação.
E também ele dá mostras de querer substituir a ação pela apatia, a definição
pela indeterminação. Nada que Stanko não tenha promovido no registo anterior
deste seu quarteto nova-iorquino (o deslumbrante “Wislawa”, face ao qual se
mantêm David Virelles, no piano, e Gerald Cleaver, à bateria, enquanto Thomas
Morgan se vê rendido por Reuben Rogers, no contrabaixo, o que, apesar de tudo,
permite que o novo disco adquira outro fundamento) ou, há muito tempo atrás,
ensaiado no quinteto de Krzysztof Komeda. Descrevendo um mapa urbano que
ganhava ares de maquete, Schulz referiu-se a sólidos e prismas que “num romântico
e sombrio chiaroscuro dramatizavam e orquestravam
a complexa polifonia arquitetural” da cidade. É o que Stanko faz ao jazz, de cuja
memória se vai aproximando pela via do sentimento em vez da ciência, no seu tom
magoado e anabásico, como num ato de contrição.
Sem comentários:
Enviar um comentário