Andrew
Cyrille fala de “fecundação cruzada”, na “Downbeat” deste mês, referindo-se concretamente
à biologia do jazz nova-iorquino: “O resultado [obtido quando pessoas de
diversas origens tentam desenvolver um trabalho comum] é mais forte que a
raiz”, conclui, numa conversa a propósito deste prodigioso “Visiting Texture” e
daquilo que produz no seio do Trio 3, o conjunto que partilha com outros
veneráveis septuagenários, Reggie Workman e Oliver Lake, e cuja ação parece consubstancial.
É um grupo de herdeiros das teses coletivistas do marxismo afro-americano de
finais de sessenta, de que tiveram experiência em primeira mão: Lake no Black
Artists Group, ao lado de nomes como Julius Hemphill, Luther Thomas, Baikida
Carroll ou Joseph Bowie; Workman no Collective Black Artists, que entre as suas
fileiras contava com figuras como Sam Rivers, Archie Shepp, Alice Coltrane ou
Freddie Hubbard; Cyrille no Jazz and People’s Movement, a associação em que
militavam Rahsaan Roland Kirk, Billy Harper ou Lee Morgan e que reclamava uma
maior presença do jazz nos meios de comunicação de massa.
Na mesma entrevista de
Ted Panken, na “Downbeat”, refletindo acerca dos problemas que podem surgir numa
sessão de gravação, Workman faz a ponte com o período: “Conseguimos sempre dar
a volta ao texto. Aliás, a nossa razão de ser é praticamente essa: temos como
manual de sobrevivência a capacidade de fazer alguma coisa a partir do nada e
acho que aprendemos a agir assim desde o início”. Lê-se o que dizem – e ouve-se
o que iam fazendo em discos tão agremiados quanto “Whisper of Dharma” (Lake e o Human Arts Ensemble),
“It’s Nation Time – African Visionary Music” (Workman, entre dezenas de
intérpretes convocados por Amiri Baraka) ou “Jazz Composer’s Orchestra”
(Cyrille, et al.) – e ganha-se acesso
a uma arte pan-africana de contornos clássicos: impessoal, simbólica e rígida,
mas regulada pelas tendências esotéricas dos seus praticantes; ritualista,
participativa e comunitária, mas avessa à convenção.
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