25 de março de 2017

Mussorgsky: Pictures At An Exhibition (Deutsche Grammophon, 2016)


Sopravam novos ventos de Moscovo. De certa forma, fruto de reformas e reformulações várias que balançavam o presente numa gangorra, era a autoridade Imperial de São Petersburgo que se punha em causa (não por acaso, na raiz etimológica de Raskólnikov, o apelido do protagonista de um expoente literário do período – o “Crime e Castigo”, de Dostoiévski – encontra-se a palavra raskol, o que o transforma logo à partida num dissidente, num cismático). Na sua primeira visita à cidade, tinha ele 20 anos, Mussorgsky (1839-1881) sentiu-se a renascer: “Fui até hoje um cosmopolita”, escrevia, numa carta endereçada a Mily Balakirev, um mentor inicial, “mas, agora, todas as coisas russas me são queridas. E é como se apenas neste instante tivesse começado a amá-las”. Expressava um sentimento que o iria acompanhar até ao fim dos seus dias. Em 1868, era a Rimsky-Korsakov (como ele, outro kuchkist; isto é, outro membro do Grupo dos Cinco, a mão-cheia de compositores nacionalistas que reagia adversamente aos ditames do Conservatório de Rubinstein) que disso mesmo fazia eco: “Em termos técnicos, podemos dizer que o desenvolvimento da prática sinfónica foi liderado por alemães. Ao pensar, o alemão expõe uma teoria, que depois vai tentando provar; já os nossos conterrâneos provam primeiro e só depois se divertem com teorias.” Nesta frase, tanto quanto a rejeição ostensiva dos convencionalismos associados à tradição musical alemã, de que o Conservatório de São Petersburgo seria o zelador, Mussorgsky parece retaliar promovendo a defesa do autodidatismo de que o acusavam. É um facto que na sua oposição ao cânone ocidental não teria muito por onde se guiar – havia Glinka, como é óbvio, e umas recolhas etnográficas realizadas por Balakirev. Mas as mais distintas caraterísticas da sua produção foram invenção pura. Nessa perspetiva, é paradigmática esta suíte que escreveu para piano, em 1874, em reação a uma retrospetiva organizada em torno da obra de mais um herdeiro dos eslavófilos, o pintor Viktor Gartman, e que Ravel orquestrou em 1922. Nas mãos de Dudamel, lamentavelmente, revela-se tudo tão achatado quanto uma tela e só a custo se absorve o impacto daqueles genes vindos das margens do Volga (mutabilidade tonal, heterofonia, etc.), a par do espanto daqueloutros artifícios não menos insólitos mas de todo ausentes da música folclórica russa (em termos de escalas, modulações, etc.) que lhe conferem as exóticas feições. Pior: o maestro propõe como complemento a valsa de “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, a típica peça colonizada pelo fungo europeu que enchia Mussorgsky de náuseas.

Sem comentários:

Enviar um comentário