Com
redundância, ao jeito dos estrondosos rojões com que os espetáculos de fogo-de-artifício
terminam, o Stile Antico coloca “O altitudo divitiarum” a fechar o alinhamento
deste seu CD dedicado à obra sacra de Giaches de Wert (1535-1596). Mas o ponto estava
feito: contrariando a narrativa em curso, que estes motetos consagrados às
práticas litúrgicas da igreja de Santa Bárbara, no Palácio Ducal de Mântua, são
mais do que a expressão domesticada dos instintos do compositor (cf. “Musica
Religiosa”, com o coro Currende e o Concerto Palatino dirigidos por Erik Van
Nevel, num disco da Accent de inícios dos anos 90, por exemplo, ou o mais
recente “Il secondo libro de motetti”, pelo Collegium Regale, na Signum). Isto,
claro, quando comparados com a sua exuberante produção enquanto madrigalista,
que, de certa forma, estendeu o tapete à de Claudio Monteverdi, seu sucessor –
e nas últimas décadas surgiram no mercado antologias que o sustentam via Cantus
Cölln, Consort of Musicke e Venexiana. Mas, sim, a verdade é que se estava ainda no tempo de Guilherme
Gonzaga, adepto da Contrarreforma Tridentina e devoto de Palestrina, quiçá não
exatamente por esta ordem. Daí que se tenha instalado essa ideia peregrina,
talvez: que por oposição a essoutro, originário de um meio em se reconhece,
até, uma abundância excessiva de humores, o trabalho menos mundano de Wert
obedece em demasia ao cânone.
Depois, lá está, escuta-se “O altitudo
divitiarum”, com um intervalo ascendente de décima logo à quarta sílaba só para
assustar e, após um tratamento absolutamente convencional do versículo que
ilustra a “profundidade da sabedoria e conhecimento de Deus”, o aparecimento de
umas quintas paralelas algo escandalosas em “Pois, quem conheceu a mente
do Senhor? Quem se tornou seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu alguma coisa,
para que Ele lhe recompense?”. Conhecendo a sua história em Mântua, os muitos
problemas que tinha com os seus colegas na corte e a reputação de corno de que
não se livrava à custa do casamento com a malograda Lucrécia Gonzaga, dir-se-ia
que Wert dramatizava indecorosamente este expoente da doxologia paulina do Novo
Testamento e, como se diz nos palcos, derrubava a ‘quarta
parede’ que o separava dos fiéis, desafiando-os. Há mais pistas nesse sentido em
“Amen, Amen dico vobis”, “Vox in Rama”, “Peccavi super numerum” ou “Ascendente
Jesu”, que mais parecem amostras de musica
reservata do que outra coisa qualquer. Mas a maior de todas está no subtítulo
do CD: teatro divino.
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