É loquaz
nos mais variados contextos, é certo. Aliás, só com o World Saxophone Quartet
tem ele vinte discos. Não obstante, dir-se-ia que nada como o dueto traz ao de
cima aquele expressivo equilíbrio entre cerimónia e acrimónia que David Murray
vem favorecendo desde meados dos anos 80 através de colaborações com pianistas
como John Hicks, Randy Weston, Dave Burrell ou Mal Waldron. Dessas, em catálogo,
sobressai uma com Aki Takase, precisamente: “Blue Monk”, captada em abril de
1991, mais um dos annus mirabilis do
saxofonista, quando não era incomum tomar o mercado de assalto com múltiplos
lançamentos simultâneos. Bom, nem ele, nem o mercado são hoje o que eram. E é
verdade que, neste milénio (em rigor, desde “Creole”, em 1998), na sua fase FMM
de Sines, Murray tem enveredado por aquilo a que se poderia chamar de música de
síntese – mestiça e mistagógica, poliglota e puritana. Mas eis que, de forma
inesperada, surge agora um prodigioso “Cherry – Sakura”, gravado em abril de
2016, isto é, 25 anos depois da última ida a estúdio com Takase, e Bill
Shoemaker, que lhe redigiu notas de apresentação, reconhece que após tão grande
intervalo de tempo “só muito raramente consegue a relação entre dois músicos
atingir aquele nível em que a conversa é retomada no ponto exato em que havia
sido deixada”. Sim, no mínimo é disso que se trata. Mas, por outro lado, se calhar
vale mesmo a pena baixar a guarda e, à boleia de ‘To A. P. Kern’, um original
de Murray aqui incluído e presumivelmente inspirado pelo poema homónimo de
Pushkin dedicado a Anna Petrovna Kern, sugerir que com este reencontro voltam
também aos corações do norte-americano e da japonesa os sentimentos de “espanto
e inspiração/ próprios da vida, das lágrimas e do amor”. (Note-se que em 2004
Murray compôs “O Mouro Negro de Pedro, o Grande”, uma ópera baseada em textos
do poeta russo sobre a extraordinária história do bisavô, Abram Petrovich).
Tudo reforçado de modo pungente por um título que evoca o que, no Japão, se
apelida de hanami, o costume de se
apreciar a efémera formosura das flores de cerejeira. E isto é fado.
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