Numa fase de transição da sua carreira, ali, ao
virar da década de 80 para a de 90, a música de Bill Frisell era apreciada pela
sua dicacidade, não tanto, digamos, pela sua dimensão didática. Claro que uma qualidade
não tem de excluir a outra, mas, na altura, em Nova Iorque, toda a intimação
aos sentidos parecia depender do desejo de expor alguma coisa ao ridículo. Só
que Frisell era aquele raro instrumentista, capaz de proceder de modo satírico e
sentimental sem dar mostras de possuir qualquer oposição conceptual em mãos.
Era como se buscasse empatia num terreno extraordinariamente hostil à afeição. Até
que, aos poucos, o seu vasto e variado saber serviu para verificar a efetiva preeminência
de determinados temas na produção cultural norte-americana. Isso, e, como me
disse um dia Marc Ribot, para criar “aquela música com que a própria música sonha
quando está com a cabeça no lugar”. Não que Frisell tenha um estilo previsível,
longe disso. Mas a verdade é que permanece instantaneamente reconhecível. O que
não deixa de ser problemático: pois muito daquilo que facilita a identificação
do seu trabalho é o tanto que dificulta a descoberta de tudo o que nele mudou.
Hoje, como é óbvio,
dir-se-ia que não há falhas na gramática da sua narrativa, pese embora o seu
gosto por improvisações nada lineares. Da mesma maneira, não obstante a
capacidade que mantém de iludir restrições, é mais visível o seu apego pela
História. No limite, quando toca, compreende-se melhor a medida exata do seu
idealismo: com prováveis insuficiências, a da expressão musical enquanto
experiência social. Nessa perspetiva, o dueto viabiliza agora uma exposição
mais crua dessa valência, da mesma forma que a cidade de província a que alude o
título deste belíssimo disco permite examinar o significado atual dos valores
da vida comunitária. Gravado ao vivo, no Village Vanguard, com o contrabaixista
Thomas Morgan (que, devidamente inspirado, lembra a coloquialidade de Charlie
Haden), “Small Town” evoca Paul Motian, Lee Konitz, Fats Domino e a Carter
Family, gente que cedo aprendeu uma velha lição: por mais descartável que seja
no dia-a-dia, a música dá azo a que se recupere tudo o que pela vida se vai perdendo.
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