10 de junho de 2017

Jaco Pastorius “Truth, Liberty & Soul – Live in NYC: The Complete 1982 NPR Jazz Alive! Recording” (Resonance, 2017)


Mais um contributo para a causa de canonização de Jaco Pastorius. Desta feita, pelas razões certas: sem malabarismos, saltos mortais, adereços; sem recurso à terminologia estigmatizante do costume. Aqui e ali, há tiques que vêm ao de cima, claro, e, em entrevista, reproduzida num extraordinário livreto com cerca de 100 páginas, quase se pressente Peter Erskine a temer a hipérbole. Mas não haverá outra maneira de o dizer: “Tínhamos andado em digressão com o sexteto [Word of Mouth] e feito uns quantos ensaios com a Big Band [como o de 1 de dezembro de 1981, em Fort Lauderdale, na Florida, a assinalar o trigésimo aniversário de Pastorius, que a Warner editou oficialmente em 1995 como “The Birthday Concert”]. Mas no Kool Jazz Festival o grupo era admirável: a nata dos músicos nova-iorquinos; os melhores entre os melhores; todos amigos do Jaco. E ele está num pico de forma e a dirigi-los maravilhosamente bem. Já nem me lembrava que isto podia soar assim. Porque a verdade é que estamos a falar de alguém cuja imagem se foi distorcendo com os anos. Aliás, poucas semanas depois, no Japão, as coisas começariam a ir por água abaixo. Mas, aqui, temos a prova do seu visionarismo. Ele pega no melhor daquilo que o Gil Evans tinha feito, mas segue noutra direção. E este concerto terá sido porventura aquele em que as ideias [de Jaco para uma formação alargada] se concretizaram melhor.” Isto é, terá sido aquele em que Jaco conseguiu produzir em palco aquilo que a desordem bipolar que de si se apoderava quase sempre o impediu de fazer em vida: diligência no trabalho, lealdade e espírito de serviço para com os seus colaboradores, entrega total à música enquanto agente eficaz na promoção de concórdia, solidariedade e paz, de ânimo sereno e perseverante, praticante da virtude com constância. De facto, parece que se está a falar de um santo. 

Mas, por uma vez, a genuflexão coletiva é justificada: na noite de 27 de junho de 1982, o Avery Fisher Hall – e a audiência do “Jazz Alive!”, programa da rádio pública norte-americana que transmitia o concerto – rendia-se não só ao virtuosismo técnico daquele que tinha revolucionado o baixo elétrico e que gostava de transformar os espetáculos dos Weather Report em concursos de ginástica rítmica como também ao seu talento de compositor e orquestrador, para não falar, já, à vida que sopravam nas suas pautas solistas como Erskine, Bob Mintzer, Randy Brecker, Othello Molineaux, Don Alias, Frank Wess, Howard Johnson, Alan Rubin, Jon Faddis, Jim Pugh, Wayne Andre e Toots Thielemans. Enfim, como se sabe, nada disto teve continuação. Jaco perder-se-ia na selva de pedra, onde viria a morrer. Desde pequeno, o seu irmão mais novo chamava-lhe Mogli.

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