Mais um contributo para a causa de canonização de
Jaco Pastorius. Desta feita, pelas razões certas: sem malabarismos, saltos
mortais, adereços; sem recurso à terminologia estigmatizante do costume. Aqui e
ali, há tiques que vêm ao de cima, claro, e, em entrevista, reproduzida num
extraordinário livreto com cerca de 100 páginas, quase se pressente Peter Erskine
a temer a hipérbole. Mas não haverá outra maneira de o dizer: “Tínhamos andado
em digressão com o sexteto [Word of Mouth] e feito uns quantos ensaios com a
Big Band [como o de 1 de dezembro de 1981, em Fort Lauderdale, na Florida, a
assinalar o trigésimo aniversário de Pastorius, que a Warner editou
oficialmente em 1995 como “The Birthday Concert”]. Mas no Kool Jazz Festival o
grupo era admirável: a nata dos músicos nova-iorquinos; os melhores entre os
melhores; todos amigos do Jaco. E ele está num pico de forma e a dirigi-los
maravilhosamente bem. Já nem me lembrava que isto podia soar assim. Porque a
verdade é que estamos a falar de alguém cuja imagem se foi distorcendo com os
anos. Aliás, poucas semanas depois, no Japão, as coisas começariam a ir por água
abaixo. Mas, aqui, temos a prova do seu visionarismo. Ele pega no melhor
daquilo que o Gil Evans tinha feito, mas segue noutra direção. E este concerto
terá sido porventura aquele em que as ideias [de Jaco para uma formação
alargada] se concretizaram melhor.” Isto é, terá sido aquele em que Jaco conseguiu
produzir em palco aquilo que a desordem bipolar que de si se apoderava quase
sempre o impediu de fazer em vida: diligência no trabalho, lealdade e espírito
de serviço para com os seus colaboradores, entrega total à música enquanto agente
eficaz na promoção de concórdia, solidariedade e paz, de ânimo sereno e
perseverante, praticante da virtude com constância. De facto, parece que se
está a falar de um santo.
Mas, por uma vez, a genuflexão coletiva é justificada:
na noite de 27 de junho de 1982, o Avery Fisher Hall – e a audiência do “Jazz
Alive!”, programa da rádio pública norte-americana que transmitia o concerto –
rendia-se não só ao virtuosismo técnico daquele que tinha revolucionado o baixo
elétrico e que gostava de transformar os espetáculos dos Weather Report em
concursos de ginástica rítmica como também ao seu talento de compositor e
orquestrador, para não falar, já, à vida que sopravam nas suas pautas solistas como
Erskine, Bob Mintzer, Randy Brecker, Othello
Molineaux, Don Alias, Frank Wess, Howard Johnson, Alan Rubin, Jon Faddis, Jim
Pugh, Wayne Andre e Toots Thielemans. Enfim, como se sabe, nada disto teve
continuação. Jaco perder-se-ia na selva de pedra, onde viria a morrer. Desde
pequeno, o seu irmão mais novo chamava-lhe Mogli.
Sem comentários:
Enviar um comentário