Passou por cá em 2010, armado de aparelhos e
aplicações que, em retrospetiva, se duvidaria terem origem na presente era. Mas
nem o sítio nem o ciclo – o “Jazz às Quintas”, no CCB – eram ideais, com o
serviço de balcão na cafetaria a produzir ruídos mais insólitos do que aqueles
que trazia no portátil. Dias depois, no “Jazz em Agosto”, era nessas dificuldades
em que se pensava ao assistir-se a um documentário sobre o também trombonista
Albert Mangelsdorff, quando este se referia à sua busca extensa e incessante
por novos sons, técnicas e estéticas, e aos muitos obstáculos com que se deparou.
Talvez por isso, assistindo ao concerto de Michael Dessen, tenha havido – como sempre
há – quem tenha qualificado o seu recurso à tecnologia como uma muleta. Mas não
se podia andar mais longe da verdade.
Como Dessen, que não raras vezes
manifesta as suas intenções em termos vagamente pictóricos, explicou à “Down
Beat”, em junho de 2014: “[Quanto ao computador] não é uma questão de tocar
mais notas, mas sim uma maneira de acrescentar mais cores ao que estou a fazer.
Em termos instrumentais, o trombone possui um gradiente e uma espécie de
qualidade espectral que se propicia a este tipo de exploração.” Escute-se
qualquer um dos seus discos (e traduzam-se os seus títulos: “Between Shadow and
Space”, “Forget the Pixel”, “Resonating Abstractions”) que logo se perceberá ao
que vem: resumindo, à criação e desenvolvimento de um mundo sonoro em que a
noção do inesperado não se reduz à condição humana, ancorado que está algures
no cruzamento entre improvisação e composição e na manipulação, redireção e modificação
da base de dados, processada em computador, que tamanha combinação permite
acumular. No fundo, trata-se de um sistema interativo igualmente capaz de
escapar à previsibilidade, criado por si. “É uma área cinzenta”, dizia em
outubro, Dessen, ao “Los Angeles Times”. Mas, voltando ao pitoresco, claro que cinzento
é a última cor em que se pensa ao ouvir a extraordinária música que faz.
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