Por mais que procurasse, Debussy não se encontrava.
Numa carta ao seu editor, dizia assim: “Não vou falar dos dois meses ao longo
dos quais não escrevi uma única nota nem pus a mão uma só vez no piano. Nem
comparado com os acontecimentos recentes isso tem qualquer importância, bem
sei.” Falava da guerra. Da que o cercava e envolvia o seu país, mas igualmente da
que travava consigo mesmo: “Perder tempo na minha idade [fez 52 anos em 1914] é
perdê-lo para sempre!” Terá sido então que finalmente atingiu um daqueles
aforismos com que o místico indiano Inayat Khan havia há coisa de meses
batizado o seu encontro: “Tudo na vida nos fala, apesar do seu aparente
silêncio.” Em retrospetiva, nada que varie muito daquela antiga prática ayurveda que há uns milhares de anos levava
médicos a receitar histórias a pacientes com problemas emocionais e
perturbações mentais.
E na verdade basta escutar “Berceuse héroïque” (1914), aqui interpretada ao piano por Tanguy
de Williencourt, para logo se dar com o tempero daquele distinto modo melódico
da música clássica indiana. Aliás, na antologia “Recovering the Orient” o
musicólogo Roy Howat dedica-se a esse instante em que Debussy e Khan se
cruzaram e a ideia que semeia é a de que Debussy se terá reunido com o seu
corpo subtil. Também na “Sonata para Flauta, Violeta e Harpa” (1915), a
espaços, se sente o sopro do Ganges, e Magali Mosnier, Antoine Tamestit e
Xavier de Maistre tocam-na agora como se de renovação espiritual efetivamente
se tratasse. Ninguém poderá dizer o contrário: “A soma de emoções que uma
harmonia bem delineada proporciona não se compara à de nenhuma outra arte!
Perdoa-me! Parece que acabei de descobrir a música, mas no fundo o meu caso é
esse”, explicou na altura a Désiré-Émile Inghelbrecht. Do mesmo ano,
comprovam-no as sonatas para violino e piano (Faust e Melnikov) e violoncelo e
piano (Queyras e Javier Perianes) com que levou a sua obra a passar uma última
vez da fase de crisálida à de borboleta. Faleceu há 100 anos.
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