Quando escreveram ‘Money (That’s What I Want)’, há
60 anos, Janie Bradford e Berry Gordy, o fundador da Motown, estavam a ser
práticos – mais, realmente, só os Sigue Sigue Sputnik, que em meados de 80 incluíram
anúncios entre os temas de “Flaunt It”, ou Belchior, que cantou: “Hoje eu não
toco por música/ Eu toco por dinheiro.” Por isso, nos dias que correm, no mundo
do jazz, quando Michael Formanek, Tim Berne e Mary Halvorson se apresentam como
Very Practical Trio estão praticamente a fazer um convite à ironia – e, caso
fizesse crítica musical, imagina-se o painel do “Passadeira Vermelha” a reagir
a este disco dizendo coisas como: ‘Ai, não acho nada prático!’ Com uma ressalva
para o sentido prático que Mary revela em palco, para o qual se desloca sempre de
mala ao ombro, estão, no fundo, a ser tão literais quanto Satie, que dizia: “Não
entreis numa casa que não usa a música para mobilar.” Ou seja, sabendo da poda,
ainda que intrincadamente labiríntica aqui e inevitavelmente arbitrária acolá, estão
a apelar para que não se caracterize à partida a música que os três fazem com palavras
que signifiquem o oposto de prático.
Não admira, vindo de quem vem – basta
lembrar o título daquele disco de Formanek, “Am I Bothering You?” (1998), em
que se dirigia a todos quanto num clube de jazz aproveitam os solos dos
contrabaixistas para ir ao bar ou à retrete. Por isso, também, neste
particular, e em termos aproximados, esta adesão ao modelo insuspeito, íntegro
e irredutível da canção, onde habitualmente se corta a gordura em excesso, o
supérfluo, o descartável, o desnecessário, até ao osso. Em ‘Like Statues’, por
exemplo, recorre-se à aura do blues –
um estilo tão inequívoco que nem admite a arguição de ilegitimidade (um teste:
qual destes nomes lhe parece mais verdadeiro – McKinley Morganfield ou Muddy
Waters?) – e a terminar o CD tocam ‘Jade Visions’, de Scott LaFaro, na cadência
de ‘Falling’, do genérico de “Twin Peaks”. Há 9 anos, à revista “Bass Player”,
Formanek explicava que não “apreciava esse tipo de limitações [que se impõem à
improvisação]”, que se entusiasmava quando “encontrava um groove” e podia tomar outras músicas como referência. Na prática, é
o que pretende este Very Practical Trio: pegar naquilo que pensamos conhecer e
torná-lo ainda melhor.
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