21 de março de 2009

Entrevista a Renaud Barret (coprodutor de "Très Très Fort", de Staff Benda Bilili)


Definem a Belle Kinoise como uma produtora. Mas o Renaud [na foto, o segundo a contar da direita] e o Florent [o primeiro a contar da esquerda] parecem estar a tornar-se realizadores de documentários. Há algum plano?
Não, nada disso. Aliás, nem nos consideramos propriamente documentaristas. É curioso, porque nos festivais de cinema entramos em competições oficiais num género que nem conhecemos. Produzimos dois álbuns, mas também não somos produtores. A nossa inspiração vem directamente das pessoas com que nos cruzamos. E, na realidade, tudo isto está a acontecer por uma série de acasos e por sermos muito teimosos.

Mas como é que foram parar a Kinshasa?
Em 2003, quando trabalhava como fotógrafo, fui enviado por uma revista para a fronteira entre a República Democrática do Congo e o Rwanda na ideia de fazer uma reportagem sobre as crianças-soldado. Por sorte fiquei uma semana em Kinshasa e conheci uma série de músicos de rua absolutamente espantosos. Comecei a acompanhá-los e a conhecer as suas famílias e os guetos onde viviam. Foi arrasador. A música estava por todo o lado: reggae, hip hop, funk, blues, rumba, tudo misturado com canções e estilos tradicionais e tocado em instrumentos construídos a partir disto e daquilo. Foi então que liguei ao Florent dizendo-lhe que era preciso fazer qualquer coisa. Desde então, nestes últimos cinco anos, temos vagueado pela cidade um pouco como estes músicos. E a boa notícia é que acho que ainda não vimos nada.

Qual foi o vosso primeiro projecto?
Começámos a filmar “Jupiter’s Dance” em 2004. O filme é uma espécie de viagem pelos guetos de Kinshasa através do olhar de Jupiter Bokondji, um artista extraordinário que criou um género próprio, o ‘bofenia rock’. Na mesma altura decidimos gravar-lhe um disco: “Man Don’t Cry”. Fizemos tudo do nosso bolso sem nenhum tipo de apoios e ainda começámos a ser fortemente criticados. Mas em 2007 conseguimos editar comercialmente um DVD e um CD com estes conteúdos. Aos poucos, o trabalho foi sendo descoberto e ganhou exposição em alguns Festivais de Cinema.

E isso permitiu-vos avançar para o segundo filme?
Sim. Ainda em 2006, durante a campanha eleitoral, começámos “Victoire Terminus”. É sobre um grupo de mulheres que sobrevivem graças ao boxe. Os torneios são feitos no mesmo estádio em que lutou Muhammad Ali. Levámos o filme ao Festival de Berlim. E em 2008, durante o Festival do British Film Institute, em Londres, recebemos o prémio Grierson.

E o Staff Benda Bilili?
As primeiras gravações que temos são de 2005. Estamos a acompanhá-los há quatro anos, por entre muitos altos e baixos. A nossa intenção é gravar a última sequência do filme num grande Festival Europeu de Música do Mundo este Verão. Precisamos de um final feliz. Entretanto fomos co-produtores deste CD para a Crammed.

Quão difícil – em termos humanos e logísticos – tem sido o processo? Começando do princípio, como é que descobriram o Staff Benda Bilili?
Foi completamente por acaso, ainda durante as filmagens de “Jupiter’s Dance”. Já nos tinham falado de uma banda de paralíticos e deficientes motores completamente loucos, que tocavam uma espécie de blues diferente e que normalmente dormiam pelas ruas. Até que numa noite, no bairro La Gombe, lá estavam eles a pedir à porta de um restaurante caro, poiso habitual dos expatriados brancos de Kinshasa. Na altura não ligámos muito mas depois do jantar continuávamos a ouvir a música pelo ar. Fomos à sua procura. E ficámos apaixonados pelo que encontrámos.

Mas o processo tem sido muito difícil. Na altura, ninguém (Vincent Kenis incluído) queria sequer ouvir a música de um grupo de paraplégicos e meninos de rua. Nós fomos filmando o seu dia-a-dia sem saber bem o que fazer com aquilo. Era duro. A sobrevivência dos membros do grupo, os miúdos a dormir no chão, as histórias das prostitutas de um dólar, os soldados completamente drogados, ladrões por todo o lado. E a banda nem nos queria aceitar. Eles são duros – têm de ser – e orgulhosos. Ninguém consegue imaginar aquilo por que passaram, o que tiveram de fazer para garantir alimento para os seus filhos. Tivemos mesmo de mergulhar no mundo deles de forma a conseguir contar uma história verdadeira. Mas é impossível permanecer imune à brutalidade e sofrimento a que já assistimos.

Mas acabaram por se conseguir infiltrar?
Sim. E percebemos que aquilo que o Staff Benda Bilili mais queria era gravar um disco. Entre 2004 e 2005 contratámos técnicos de som europeus, pagámos-lhes os bilhetes de avião para Kinshasa, arranjámos sítio onde ficarem e começámos as gravações. Correu tudo mal. Os instrumentos dos músicos foram roubados, alguns deles estavam sempre bêbados demais para conseguir cantar e tocar, o centro de acolhimento nocturno em que as suas famílias dormiam ardeu, enfim: foi um pesadelo e um desastre financeiro. No Verão mostrámos imagens da banda e o pouco que se aproveitou dessas sessões ao Vincent Kenis, que tinha estado em Kinshasa a gravar o Konono Nº1. Ficou de boca aberta. Gravou logo uns temas mas tivemos de esperar até ao Verão seguinte para acabar o álbum.

A banda está finalmente optimista? Sentem que as suas vidas vão mudar?
Uma das coisas que sempre me impressionou no Staff foi a convicção que sempre demonstraram em que um dia se iriam tornar conhecidos e viajar pelo mundo. Agora só falam em juntar dinheiro suficiente para construírem casas para os seus filhos e conseguirem matriculá-los em escolas. É o seu maior desejo. Fora isso, sentem o mesmo que as outras pessoas em Kinshasa: que nada realmente mudou desde as eleições de 2006 e que em termos económicos a situação só se está a agravar. Mas Kinshasa ainda provoca esta sensação ambígua de desespero e encanto. Beleza no caos ou caos na beleza, não sei.

Para terminar: a maior esperança nas ruas é?
Políticos honestos e qualificados.

Que cinco coisas o fizeram mais feliz desde que aí chegou?
Ter cinco sentidos.

Que cinco coisas o fizeram desejar estar noutro lugar?
Nunca desejei estar noutro lugar.

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