L’Arpeggiata, Christina Pluhar (d)
Se alguma coisa nos ensinou o pós-modernismo
é que até a iconoclastia depende de aturadas negociações entre o possível e o
plausível. Nesse sentido, numa declaração de intenções que procura legitimar
esta iniciativa, Christina Pluhar não faz nenhum favor a si mesma ao recorrer ipsis litteris, e sem remissão, ao
artigo “[Henry Purcell] In popular culture”, da Wikipedia. Cita precursores laços
entre Purcell e os The Who, o cantor Klaus Nomi, o Wendy Carlos de “Laranja
Mecânica”, Sting, e, de certa forma, ao jeito do Direito que aponta o
precedente como única fonte judicial, apensa um vínculo hipostático ao que está
sujeito às incertezas do acaso. É uma ilusão de hermenêutica, de efeito fácil,
que, aplicada, por exemplo, à escolha de capa para esta edição resultaria em algo
do género: a fotógrafa Mallory Morrison organizou uma coreografia subaquática
para Mary Poppins que lembra uma cena de um filme – “Se a Minha Cama Voasse” –
que se vê como uma variação sobre a adaptação cinematográfica do livro “Mary
Poppins”; a criadora de Mary Poppins foi P. L. Travers que, enquanto atriz, havia
feito de Titania numa produção de “Sonho de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare,
a mesmíssima peça que, por sua vez, esteve na origem de “A Fada Rainha”, de
Purcell. A dedução é simples e incontestável e desprovida de fundamento. Pluhar,
que, banhando-as essencialmente no mais tépido jazz, promove aqui uma ocasionalmente
simpática emulsão de obras do compositor inglês, podia, antes, ter evocado modelos
patenteados por Paul Desmond, Maarten Altena ou Grover Washington. Mas ignora-os,
ou não repetiria os seus erros: não é por se abandonar as normas numa música
que se deve adotar cegamente as de outra.
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