6 de agosto de 2016

Rolf Lislevand “La Mascarade” (ECM, 2016)



Nas célebres “Memórias do Conde de Gramont” dá-se com este excerto: “Havia um italiano na corte [de Carlos II de Inglaterra], famoso por tocar guitarra. No que à música diz respeito, era um génio (…) de um estilo tão elegante, e capaz de revelar tanta ternura, que até o mais dissonante dos instrumentos tornava harmonioso. As suas obras tinham de tal modo conquistado o favor do rei que não havia quem não tentasse tocá-las.” Claro que, sem demora, e porque o centro do poder político é sempre a capital da intriga, a narrativa desliza para as imediações do escândalo precisamente à custa de uma sarabanda desse tal italiano que dava pelo nome de Francesco Corbetta (ca. 1615-1681), que terá certamente conhecido Catarina de Bragança e que viria a dar lições a Ana da Grã-Bretanha.

Também neste seu novo disco se dedica Rolf Lislevand a peças suas. E será a atmosfera cortesã, para não dizer a etiqueta, a levá-lo subitamente a recordar uma das primeiras coisas que aprendeu com um dos seus mestres, presumivelmente Hopkinson Smith, embora ele não o identifique: “Apercebi-me como um pequeno número de notas se assemelha a um gesto mais gracioso do que qualquer movimento do corpo humano, mais figurativo do que, na pintura, uma paisagem inteira, tão bem articulado quanto a poesia mais claramente pronunciada”, escreve em notas de apresentação que descrevem exatamente o que aqui se escuta. Aliás, evocando as passagens de Corbetta por Versalhes, o alaudista norueguês, que normalmente integra os conjuntos de Jordi Savall, adiciona ao seu programa pequenas pérolas de Robert de Visée (ca. 1655-1732/33) para guitarra barroca e teorba. Será inevitável pensar-se na relação de Visée com Luís XIV, cujas ceias calmamente acompanhava e cujos passeios matinais pelos jardins do palácio musicava, docemente dedilhando as cordas do seu instrumento, ainda que do monarca se mantivesse à protocolar distância de dois passos. Trata-se, portanto, de música de uma intimidade inconcebível, inelutável e ao mesmo tempo inviolável. Daí, talvez, Lislevand insistir em “La Mascarade”, um rondó de Visée que lembra que as aparências iludem e que nada é só o que parece. Pois muita desta música se assemelha mais à insinuação da própria música, feita de segredos, subtilezas, sussurros, sugestões, vénias contínuas.

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