Com a chegada de “O Ruído do Tempo”, de Julian
Barnes, às livrarias, também nos escaparates das lojas de discos se acumulam títulos
consagrados a Dmitri Shostakovich (1906-1975). Gautier Capuçon, por exemplo,
com a Mariinsky, e sob direção de Valery Gergiev, gravou os dois concertos para
violoncelo, acentuando-lhes o contraste (Erato); Andris Nelsons, por sua vez, ao
comando da sinfónica de Boston, prosseguiu com a série “Under Stalin’s Shadow”,
registando quinta, oitava e nona sem se chegar a comprometer com as muitas
perplexidades que despertam (DG); já Vladimir Ashkenazy, com Zsolt-Tihamér
Visontay, Mats Lidström e Ada Meinich, propõe um retrato mais abrangente e ao
mesmo tempo mais íntimo do seu compatriota, através dos trios para piano,
violino e violoncelo e desse dilacerado e simultaneamente dilucidado derradeiro
opúsculo que foi a “Sonata em Dó maior”, para violeta e piano (Decca).
O
retrato é o do costume: o de um homem solitário que busca refúgio na
intimidade, bom numa série de coisas e fraco em muitas mais, chamado, enquanto
paladino do regime soviético, a desempenhar um impossível papel que implicou
todo o tipo de deserções da sua própria consciência e um sem-fim de
recriminações e vitimizações, ocasionalmente estudadas e finalmente traídas
pela excelência da sua escrita. Nessa perspetiva, não se vislumbra obra mais
transparente do que o “Concerto para Violino em Dó maior”, composto entre
1947-48 e de pronto enfiado na gaveta, não fosse a sua publicação obrigá-lo a
mais um ato de penitência perante Andrei Zhdanov (o concerto veria a luz do dia
em 1955, após a morte de Estaline, quando Oistrakh o estreou). Aqui, da
aberrante languidez do Noturno e do grotesco exercício do Scherzo à hermética melodia da Passacaglia
e ao sopro final do acossado que se pressente no Burlesco, Benedetti está simplesmente arrebatadora. Como
complemento surge o Op. 82, de Glazunov, para mostrar ao que soava a música
russa antes da Revolução, da Grande-Guerra ou da Grande Purga.
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