Não se tratam propriamente de sessões
de leitura. Mas não deixam de gozar de ares de séance, estas “conversas” entre David Toop e Evan Parker que a
Fundação Calouste Gulbenkian se prepara para acolher (“em inglês, com recurso a
exemplos áudio”, diz o programa). Aliás, a primeira (hoje, 18h30, Sala
Polivalente, entrada livre) possui, até, um título promissoramente mediúnico: “Sharpen Your Needles: Deep Listening
to Extinct and Endangered Musics”. Já a segunda (“Into the Maelstrom: Free
Improvisation”, amanhã, à mesma hora, no mesmo lugar) terá como ponto de
partida o mais recente livro de Toop, “Into the Maelstrom: Music, Improvisation
and the Dream of Freedom”, consagrado às éticas e estéticas da improvisação
livre no período do pós-guerra. Saberá ao que vai quem se lembrar desta passagem
de “Descida ao Maelstrom”, de Edgar Allan Poe: “Quando se agita ao máximo e
quando a sua força é aumentada por uma tempestade, é perigoso aproximar-se
mesmo a uma milha de distância. Barcaças, iates e navios são arrastados por não
se acautelarem antes de se encontrarem ao alcance da sua esfera de atração.
Acontece muito frequentemente que as baleias vêm demasiado perto da corrente e
são dominadas pela sua violência; e é impossível descrever os seus uivos e
rugidos perante a inutilidade dos esforços para se libertarem.” Ainda que
procedendo com todo o cuidado, é óbvio que Toop e Parker irão tentar descrever
esses sons saídos do abismo. E, para mais, Parker permanece um protagonista
incontornável desta experiência. Agora, como pede o velho do conto de Poe,
vamos só ver se acreditamos em todas as histórias incríveis que terá para nos
contar.
Seja como for, há lições neste novo
livro de Toop que se poderiam aplicar a todo o programa do Jazz em Agosto.
Principalmente quando afirma coisas como esta: “Tal como a música improvisada,
também na vida se dá este perturbador conflito entre o previsível e o
contingente.” Além do mais, quando se pensa nas atuações previstas para hoje (o
trio Pulverize the Sound, com Peter Evans, Tim Dahl e Mike Pride, 21h30,
Anfiteatro ao Ar Livre), para segunda-feira (o quarteto Tetterapadequ, com Daniele Martini, Giovanni Di Domenico, Gonçalo
Almeida e João Lobo) ou
para quinta (o trio de Ava Mendoza, com
Tim Dahl e Sam Ospovat),
é uma frase de Toop que vem à memória: “Sente-se, não faça nada: isto é
improvisação. Permita que pensamentos dispersos, tremores internos, impressões
sensoriais lhe passem através do corpo. Escutar é improvisar: peneirar, filtrar,
priorizar, colocar, resistir, comparar, avaliar, rejeitar, tirar prazer do som
e da ausência do som; fazer julgamentos imediatos e premonitórios de sinais
multifacetados; contrabalançá-los com a estática do pensamento.” Por sua vez,
propostas como as de Eve Risser (amanhã à noite, à frente da White Desert
Orchestra), de Petite Moutarde (terça, com Théo Ciccaldi, Alexandra Grimal,
Ivan Gélugne e Florian Satche e projeção de filmes de Clair, Duchamp ou Man
Ray), de Tuba and Drums Double Duo (quarta, com Sérgio Carolino) ou de Z-Country
Paradise (grupo liderado pelo saxofonista Frank Gratkowski mas dedicado à
canção) parecem sugerir que, neste turbilhão de caos e desordem, compor se pode
revelar a mais utópica das estratégias. Jamais distante da quimera, o festival
prossegue até dia 14.
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