Estende-se
até 1502, a cronologia deste programa concebido por Jordi Savall para assinalar
o milenário de Granada (1013-2013). Como é óbvio, a data é a da famosa
Pragmática dos Reis Católicos, que, sob pena de saída forçada, ordenava a
conversão dos muçulmanos do reino. Claro que Savall poderia ter fixado essa
baliza temporal em 1609, quando Filipe III de Espanha decretou a expulsão dos
mouriscos. Mas a verdade é que, se quisesse, não lhe faltariam motivos para ir
dilatando indefinidamente os prazos do seu projeto. Isto, porque, salvo raras
exceções, fala de uma sensibilidade que se tem vindo a deixar blindar pela
intolerância até hoje. Talvez por isso termine o disco de modo anacrónico: à
leitura de um texto sobre os acontecimentos de 1502 segue-se “Maqam Hijaz”, um
lamento andaluz de Ibn Zaydún, poeta do século XI. A escolha não será inocente
nem tampouco o é a opção de o ver interpretado por Waed Bouhassoun e Lior
Elmaleh, uma síria e um israelita. Assim, aqueles versos finais (“Quando te
ausentas abandona-me o mundo inteiro/ E quando voltas todo ele está presente”)
não são tanto os do famoso Monumento aos Namorados, em Córdova, edificado para
lembrar a história de amor entre Zaydún e Wallada, quanto a prova do desconsolo
de todos os que já experimentaram a saudade e o exílio.
Savall faz 75
anos esta segunda-feira, dia 1. Numa entrevista à francesa “L’Express” mostra-se
“consciente de estar a entrar numa fase crepuscular”. Referindo-se à crise de
refugiados na Europa, declara que “o drama está bem à nossa porta e ninguém o
quer admitir”, mas que “sem reconhecimento não há reconciliação”. De certa
forma, neste “Granada”, que vai dos ziridas e dos almorávidas até aos almóadas e
aos nasridas, não fala de outra coisa. E, no entanto, seja a interpretar música
arábico-andaluza, cristã (das “Cantigas de Santa Maria” e do “Códice de Las
Huelgas”) e judaica ou sefardita, e citando Canetti, insiste sempre na “música
enquanto história viva da humanidade”. Nessa perspetiva, traz à memória o
mourisco Ricote, do “Dom Quixote”, que, como concluiu Ruth Fine, provava que “no
mundo cervantino, o pior erro não consiste na falsa interpretação da realidade
e sim no não-reconhecimento do outro e no não-reconhecimento do outro em nós
mesmos.” Um erro que Savall quer ver corrigido.
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