Um cínico diria que a crítica a
“Perpetual Gateways” está escrita desde “O Retrato de Dorian Gray”, quando
Oscar Wilde pôs Lorde Henry a dizer o seguinte: “Não existe tal coisa como uma
influência positiva. Porque influenciar uma pessoa é conceder-lhe a nossa
própria alma. Ela deixa de ter pensamentos originais ou de sentir as suas
paixões. As suas virtudes deixam de ser reais. E os seus pecados – se é que tal
coisa existe – vêm por empréstimo. Torna-se num eco da música de outrem.” Ed
Motta tem resposta na ponta da língua. Aliás, num artigo de junho da série
“Crate Diggers”, no site da Vinyl Factory, quando perguntam ao sobrinho de Tim
Maia se ele compra discos à cata de influências ou, somente, com o intuito de
completar a sua coleção, ele diz assim: “Isso é uma e a mesma coisa. A coleção
é a personalidade. É o que me levou a querer fazer música, a aproximar-me do
piano, a desejar ser como [outros músicos] e a pensar ‘vou tocar aquilo que
tanto gosto de ouvir’.” Nessa perspetiva, poderá observar-se a sua discografia
– principalmente a partir de “Dwitza” (2002) mas fundamentalmente em “Aystelum”
(2005) e “AOR” (2013) – como uma contínua emulação.
Agora, dir-se-ia que sobe
mais um patamar nesse fim de igualar ou exceder certas ações sob si exercidas
por via dos discos. Porque, aqui, não se trata mais do caso do músico que, por
associação, põe a descoberto figuras avunculares: Ed convoca-as mesmo ou, em
alguns casos, evoca-as através dos seus legítimos herdeiros. Ouça-se, por
exemplo, Patrice Rushen ao piano, Hubert Laws em flauta (lembrando o que fez
com Jobim, Astrud, Airto e Deodato), Marvin “Smitty” Smith na bateria (que leva
Motta ao M-Base), Greg Phillinganes nos teclados (que o conduz a Stevie Wonder,
Harvey Mason ou ao Donald Fagen de “Nightfly”) ou Cecil McBee Jr. no baixo
elétrico. Sim, isto é música original que se refere a si própria na terceira
pessoa. Mas é também Ed Motta a mostrar o que mais gosta nos outros, que é
exatamente o que mais aprecia em si.
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