Ouve-se
atentamente ‘Perfume do Invisível’, primeiro tema e, por sinal, single inaugural
deste quarto álbum de Céu, e pensa-se no Whitman de “Canto de Mim Mesmo”.
Nomeadamente quando os versos da canção (“Logo que o perfume do invisível te
inebriou/ Você me viu/ E o mundo também/E o que estava quietinho ali/ Se
mostrou, meu bem”) lembram os do poema (“As casas e quartos estão repletos de
perfumes// Eu próprio aspiro essa fragrância// Eu próprio dela poderia
embriagar-me” e ainda “O visível é prova do invisível/ Até que se torne
invisível e por sua vez seja provado”). De facto, e sempre que se introduz na
equação a variável do amor, a cantora é dada ao êxtase dos místicos. Aliás,
mais adiante, em ‘Minhas Bics’, no instante em que se escuta “Eu pedi para ser
feita da poeira/ Do astro da estrela que risca o céu”, não é tanto Sagan que
vem à mente (ele, que dizia que “o nitrogénio no nosso ADN, o cálcio nos nossos
dentes”, etc., “foram criados no interior de estrelas em colapso”, que “somos
poeira das estrelas”) quanto Blake, vendo “o mundo num grão de areia”,
segurando “o infinito na palma da mão”, ou Rumi, com os seus “grãos de areia do
deserto” dançando, apaixonados.
Ou seja, “Tropix”, mais do que qualquer
desvanecimento, tem como assunto a atomização do universo musical como modo –
diriam eles – de Céu se conhecer a si mesma e, quiçá, de morder a própria
cauda, uma imagem mais apropriadamente tropicalista. Ela, que, a publicações brasileiras,
explica assim a metáfora: “[O disco] acaba tendo também um conceito”; “fui
notando que falava mesmo sobre um píxel tropical”; “vem daí a história de ‘Tropix’, de ‘trópico’
com ‘píxel’, uma leitura digital dos trópicos”; “algo de construção tijolo a
tijolo, de decupagem”. Mais do que na lírica, é um impulso que se distingue nos
arranjos, sintéticos e soturnos, com as notas de cada acorde divididas em
borbulhantes arpejos (em evocação de Moroder, cortesia dos teclados do francês
Hervé Salters, famoso pelo nom de plume
General Elektriks) ou com os staccatos
da guitarra elétrica de Pedro Sá refletidos numa bola de espelhos. Diz a
paulista: “Eu olho muito para o passado para buscar coisas novas, acho difícil
fazer algo totalmente fresco. Talvez por isso [se] sinta esse eterno retrô.” É: Céu olhou para dentro de si e
entrou na matrix.
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