Bom,
space echo foi o que pudemos ouvir na
semana passada quando a Juno se atraiu em definitivo pela gravidade de Júpiter.
Já esta entrada da Analog Africa na órbita da música cabo-verdiana pouco deve à
ciência, embora o Pedrinho de ‘Ódio Sem Valor’, o Tchiss Lopes de ‘Mundo d’Margura’,
o João Cirilo de ‘Pó d’Terra’ e o Abel Lima de ‘Corre Riba, Corre Baxo’
tivessem mais razões para contemplar os corpos celestes do que outra coisa
qualquer. Aliás, aqui, o que mais uma vez se denota é a dileção com que os
agentes da editora abraçam a fantasia. Atente-se nesta nota introdutória: “Na
primavera de 1968, um cargueiro saía do porto de Baltimore com uma importante
remessa de instrumentos musicais. O seu destino era o Rio de Janeiro, anfitriã
da Exposição Mundial Do Son Eletrônico [sic], a primeira mostra do género no
hemisfério sul. Marcas como a Moog ou a Korg estavam ansiosas de divulgar os
seus sintetizadores”, etc., etc., até ao momento em que o navio desaparece dos
radares e, meses depois, como que caído do céu, surge num remoto ponto de São
Nicolau.
Nada disto é verdade, claro. Só que, como se dizia em “O Homem que
Matou Liberty Valance”, em caso de dúvida, “publique-se a lenda”. Pois, ao
falar de “Space Echo”, a imprensa internacional tem-se focado exclusivamente nesta
mirabolante narrativa, inspirada, quiçá, no naufrágio desse mesmo ano do Cabo
Santa Maria, na ilha da Boa Vista, cujo manifesto incluía uma série de pianos.
É pena. Até porque, assim, não se dá relevo a depoimentos como os de António
Sanches (“A mensagem é que se tinha de matar a saudade”) ou Pedrinho Xalé (“Queria
denunciar a descriminação racial, a brutalidade policial e a censura”). Nem se
permite retratar o sobressalto de modernidade circa “Noites Longas”, em Lisboa, nem o polimorfismo que os irmãos
Paulino e Toy Vieira (na foto) concediam a coladeiras e funanás, ao vivo, em espaços como
o En’Clave ou, em estúdio, ao serviço de editoras como a Iefe, Arsom ou Monte
Cara (e a Analog Africa nada diz quanto ao modo de licenciamento deste
material). No fundo, nem se chega a levantar o véu sobre o verdadeiro assunto
da compilação: não obstante a ausência de nomes como Bulimundo, Tulipa Negra,
Black Power, Africa Star ou Os Tubarões, ao que soava a música elétrica de Cabo
Verde antes da monocultura da morna.
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