Sabia-se do apreço de Dexter Gordon pelas palavras – para o
confirmar, preste-se atenção ao modo em que nos seus álbuns ao vivo, como aqui,
completava com versos inteiros os títulos das canções à medida que as ia
apresentando. Mas receava-se que o mundo da literatura lhe estivesse vedado –
isto, se excetuarmos as linhas de “Pela Estrada Fora” em que as personagens de
Kerouac imitavam as síncopes convulsas de Gordon e Wardell Gray em ‘The Hunt’. Assim,
em boa hora foi dado ao prelo “Sophisticated Giant: The Life and Legacy of
Dexter Gordon”, completado pela sua viúva, Maxine, mas derivado em grande parte
dos cadernos em que foi anotando apontamentos biográficos a partir de 1987, logo
após ter sido nomeado ao Óscar de Melhor Ator pelo seu papel em “À Volta da
Meia-Noite”. Vivia então em Cuernavaca, no México, onde viria a comemorar um
aniversário especial, com este brinde: “Se me dissessem que iria estar presente
na festa dos meus 65 anos, não acreditaria. É um milagre. E deve-se ao jazz.
Tantos amigos, tantos grandes músicos morreram tão jovens. Mas permanecem
comigo… Só peço que ninguém os esqueça.”
A falar, parecia soltar as sílabas com
cuidado para que não lhe ferissem a garganta, como se lhe viessem à boca para
envenenar a unidade linguística, amordaçadas pelo enfisema, sufocadas pelo cancro
da laringe que o viria a matar. Era mesmo assim. “Uma vida dedicada à improvisação
não pode seguir as regras de mais ninguém. O que acarreta uma série de problemas,
se tivermos em conta o que um observador comum qualificaria como comportamento
aceitável numa sociedade que não compreende bem o que é a arte, nem sabe que
sem música não há nada”, escreveu. Não admira, por isso, que, a tocar, a partir
de certa altura, não ocultasse as “deceções consigo próprio, os triunfos, as
derrotas e as desonestidades”, por tão claramente possuir o “desejo de ser, de
uma ou de outra forma, poeta da vida”. Isto não foi Dexter que escreveu – foi
Malcolm Lowry, uns anos antes, mas igualmente a partir de Cuernavaca, quando
tentava explicar por carta a relação com a música de um personagem de “Debaixo
do Vulcão” ao seu editor. É o que se sente ao escutar estas gravações em
Colónia (1973), Haia (1971) e Estugarda (1965), do período em que, como dizia,
Dexter veio uma noite à Europa para tocar no Ronnie Scott’s e quando reparou
tinham passado 14 anos. Sempre a espalhar milagres pelo palco, só para ver se
sobrevivia.
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