Nasce o mito entre o que se sabe, o que se supõe e o que se deseja que se manifeste real. E não haverá terreno mais favorável ao seu desenvolvimento que o da Música Popular Brasileira. Porque, lá está, lhe é por vezes contrária a marcha do tempo. Basta relembrar as mortes de Elis Regina aos 37 anos, de Maysa aos 41, de Sylvia Telles aos 32 ou de Dolores Duran aos 29 – cada uma à sua maneira responsável pela criação de um definitivo paradigma de interpretação no feminino, mas apenas Dolores deixada, em 1959, às portas de um novo mundo. Ela que em ‘Estrada do Sol’, composta com Tom Jobim, parecia até adivinhar que a bossa nova se escondia na próxima curva. Mas essa é na sua memória uma excepção: Duran foi sempre relembrada como a humilde menina da rádio que se profissionalizou aos 12 anos, se estreou na Boate Vogue aos 16 e acabou a compor existencialistas clássicos da ‘dor de cotovelo’ como ‘Se é por Falta de Adeus’, ‘Solidão’, ‘Por Causa de Você’ ou ‘A Noite do Meu Bem’. O que não deixando de ser verdade, é ingrato. Porque não escapa à tragédia do samba-canção fatalmente derramado sobre mau amor e pior bebida e trai um momento de invulgar pluralidade estética marcado pelo jazz nocturno em bares como Drink, Little Club ou Baccarat, por dezenas de LPs instrumentais com indicações como “para dançar” ou “para animar sua festa” e em que tudo era “em HI-FI”. Vinda desse período, a música neste CD – registada informalmente entre amigos – é tão importante quanto a que João Gilberto gravou em 1958 em casa de Chico Pereira (e este ano publicada no blogue Toque-Musical). E revela uma cantora em pleno domínio da sua arte deixando-se ir por ‘Cry me a River’, ‘Cheek to Cheek’, ‘Body and Soul’, ‘Over the Rainbow’ ou ‘Makin’ Whoopee’ até por fim e para sempre se perder dentro das suas canções preferidas.
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