O zimbro na capa diz muito. E a foto traz à memória a interrogação de Jobim em “Inútil Paisagem”: “de que serve esta onda que quebra?”. Fala-se portanto de vida e morte. Também por ali, à esquerda, paira a palavra transambas. Na nebulosa contracapa enunciam-se canções, postula-se a insigne bandaCê e, da bruma, surge: transrock. Caetano foi sempre palavroso mas raramente tão explícito. Em “Zii e Zie” quase não canta – zizia, como as cigarras, e está lutuoso. No melhor, sintoniza-se com o fuzz da guitarra de Pedro Sá, aqui protagonista de voz clara. No pior, torna espástico até ‘Incompatibilidade de Génios’, o desembaraçado samba de João Bosco e Aldir Blanc.
Mas Caetano costuma zombar com a ideia do envelhecimento. Se “Cê” foi a retracção na ferida aberta, o sanhoso nervo lesado e uma zangada e reaccionária neurose, “Zii e Zie”, embora não pareça, de tão lasso aqui ou flébil acolá, é a metástase, o músculo recuperado – é o que corrige e esclarece as imensas falhas do outro. Talvez o seu maior mérito seja sugerir que toda a obra é corruptível. E é novamente um disco a transir Caetano: ‘Perdeu’ liga-se ao ‘Herói’ de “Cê”, a voz de ‘Por Quem?’ zanza ululante num incerto impulso sexual que lembra o ‘Etc’, de “Estrangeiro”, ‘A Cor Amarela’ evoca os anos com Carlinhos Brown (o verso “uma menina preta de biquíni amarelo na frente da onda” recorda a capa do álbum que gravaram em 87), a melopeia de ‘A Base de Guantánamo’ alinha-se com ‘Haiti’, de “Tropicália 2”, e a sumptuária exaltação de ‘Lapa’ aproxima-se da ‘Itapuã’ de “Circuladô”. Há ainda umas tristes súplicas, sociologia critiqueira, uns galanteios prometidos no blog “Obra em Progresso” e a resposta ao desafio de Lobão (“Amado Caetano, chega de verdade. Viva alguns enganos, viva o samba meio troncho”). Mas nada ilumina as trevas. O disco público revelou-se um acto de marginalização. Siga.
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