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Porém, que
não apenas aos seus agentes mais subversivos, o percurso de Hill e Blake serve
igualmente para lembrar um período na indústria fonográfica norte-americana de séria
resistência ao jazz, durante o qual nem o prestígio institucional abria portas.
Ao longo dos anos 80, só os esforços coordenados de pequenas chancelas
europeias como a Soul Note permitiram comprovar a vitalidade artística de tão
ilustres pedagogos. Demonstra-o esta série de integrais de que está a chegar novo lote às lojas.
A Soul Note
proporcionou duas idas a estúdio a Andrew Hill. Da inicial (junho de 1980) provêm
“Faces of Hope”, a solo, e “Strange Serenade”, com Alan Silva e Freddie Waits. Dizia-se
que Hill era natural de Port au Prince (nasceu em Chicago, em 1931) e retiravam-se
todo o tipo de ilações do equívoco – se a sua origem fosse Marte dava mais ou
menos no mesmo. Hill recorre a uma dissonância calculada, sensual, que mais que
um observador associou a Scriabin embora ele falasse de Debussy. No LP em que
está desacompanhado há um ‘Rob it Mohe’ que cita ‘Blue Monk’ e, de facto, muito
do que aí se passa deve algo a Monk. Da sessão final (julho de 1987) procedem
“Shades”, com Clifford Jordan, Rufus Reid e
Ben Riley, e “Verona Rag”, novamente só, dois dos seus álbuns mais consistentes.
Há frases marcadas por acentos inquietos, como as daquelas crianças que trocam
os timbres às vogais. Traz à memória Bud Powell e Art Tatum mas no tema-título
do recital a solo invoca o Schubert das últimas sonatas.
Já a ligação de Ran Blake à editora italiana foi mais
dilatada, com sete entradas em catálogo. A certa altura, de tão gríficas, já se
sabia o que delas se esperar – mas só na medida, digamos, em que nos anos 50
ninguém ignorava o que aguardar de um filme de Hitchcock. É o caso de
“Epistrophy” (1992), dedicado a Monk, aqui tão influente quanto em Hill, de “Unmarked
Van” (1997), um tributo a Sarah Vaughan entre o primitivo e o exótico, ou de
“Indian Winter” (2005), com David Fabris na guitarra elétrica – tão previsíveis
quão perfeitamente capazes de subverter expetativas. As pérolas são “Improvisations”
(1981), duetos de piano com Jaki Byard em que ocasionalmente se invertem papéis,
“Duke Dreams”, a alienante exaltação do legado de Strayhorn e Ellington a
partir do divã de um psicólogo, “Suffield Gothic” (1984), a onírica evocação da
sua cidade natal (Bob Blumenthal chamou-lhe o “Amarcord” de Blake), e “Short
Life of Barbara Monk” (1987), elegante, inquietante, a síntese das suas
obsessões.
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