Aconselha a prudência que se mencione a apocrifia de grande parte das histórias deste “Senegal 70”.
“Músicos em digressão por Paris, como Youssou N’Dour, chamavam-nos para tocar
com eles”, diz Max Dia, dos Fangool, referindo-se a uma altura em que N’Dour não
devia ainda ter carta de condução, quanto mais passaporte. “Quando entrámos em Abijão
fomos conduzidos para o canal de televisão estatal e, em virtude de insistentes
telefonemas de Papa Houphouët, ficámos três horas no ar”, conta King N’Gom
acerca da apoteótica chegada da Super Star Band à Costa do Marfim, apelando a
que se imagine o presidente do país a tarde inteira colado à TV, ligando para a
RTI à medida que ia cortando relações diplomáticas com a União Soviética, alimentando
a dissensão em países vizinhos ou o diabo a quatro. “Laye Thiam foi para o
Congo e ouvi dizer que também aí teve grande sucesso, a ponto de ter sido
contratado para acompanhar James Brown no concerto que ele deu em Kinshasa”,
avança Pape Diallo, lembrando o trompetista da Star Band e sem jamais ter visto,
só pode, “Soul Power”, o filme com a atuação de Brown no “Zaire 74”, em que o
cantor surge escoltado por Maceo Parker, Fred Wesley e demais J.B.’s. Já o
rigor obriga a que se sublinhe o anacronismo do subtítulo. ‘Bour Siné’, de
Saourouba de Louga (e o andamento a puxar para o mbalax torna a conclusão já por si evidente), procede dos anos 80,
a mesma década em que tinham um pé a Gëstu de Dakar de ‘Ndiourel’ e a Tropical
Jazz de ‘Kiko Medina’, um tema de Arsenio Rodríguez. Por sua vez, esta ‘El
Carretero’, de Guillermo Portabales, a que dá corpo Amara Touré, provém dos
anos 60, quando o guineense se contava ainda entre as fileiras da Star Band.
Mas ouçam-se os inéditos (‘Bour Siné’ e ‘El Carretero’, mas igualmente ‘Africa’,
da Orchestre G.M.I., ‘Massani Cissé’, da Orchestre Laye Thiam, e sobretudo ‘Ma
Penda’ e ‘Thiely’, da Orchestra Baobab, esta uma versão de ‘Achilipú’, do El
Gran Combo de Puerto Rico, nas vozes de Médioune Diallo e Thione Seck) que logo
se fica com vontade de atirar a prudência e o rigor pela janela. É quando o
facto dá lugar à fantasia que, no Senegal, a música almeja a transcendência – esta
antologia relembra-o.
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