6 de fevereiro de 2016

“Senegal 70: Sonic Gems & Previously Unreleased Recordings from the 70’s" (Analog Africa, 2015)



Aconselha a prudência que se mencione a apocrifia de grande parte das histórias deste “Senegal 70”. “Músicos em digressão por Paris, como Youssou N’Dour, chamavam-nos para tocar com eles”, diz Max Dia, dos Fangool, referindo-se a uma altura em que N’Dour não devia ainda ter carta de condução, quanto mais passaporte. “Quando entrámos em Abijão fomos conduzidos para o canal de televisão estatal e, em virtude de insistentes telefonemas de Papa Houphouët, ficámos três horas no ar”, conta King N’Gom acerca da apoteótica chegada da Super Star Band à Costa do Marfim, apelando a que se imagine o presidente do país a tarde inteira colado à TV, ligando para a RTI à medida que ia cortando relações diplomáticas com a União Soviética, alimentando a dissensão em países vizinhos ou o diabo a quatro. “Laye Thiam foi para o Congo e ouvi dizer que também aí teve grande sucesso, a ponto de ter sido contratado para acompanhar James Brown no concerto que ele deu em Kinshasa”, avança Pape Diallo, lembrando o trompetista da Star Band e sem jamais ter visto, só pode, “Soul Power”, o filme com a atuação de Brown no “Zaire 74”, em que o cantor surge escoltado por Maceo Parker, Fred Wesley e demais J.B.’s. Já o rigor obriga a que se sublinhe o anacronismo do subtítulo. ‘Bour Siné’, de Saourouba de Louga (e o andamento a puxar para o mbalax torna a conclusão já por si evidente), procede dos anos 80, a mesma década em que tinham um pé a Gëstu de Dakar de ‘Ndiourel’ e a Tropical Jazz de ‘Kiko Medina’, um tema de Arsenio Rodríguez. Por sua vez, esta ‘El Carretero’, de Guillermo Portabales, a que dá corpo Amara Touré, provém dos anos 60, quando o guineense se contava ainda entre as fileiras da Star Band. Mas ouçam-se os inéditos (‘Bour Siné’ e ‘El Carretero’, mas igualmente ‘Africa’, da Orchestre G.M.I., ‘Massani Cissé’, da Orchestre Laye Thiam, e sobretudo ‘Ma Penda’ e ‘Thiely’, da Orchestra Baobab, esta uma versão de ‘Achilipú’, do El Gran Combo de Puerto Rico, nas vozes de Médioune Diallo e Thione Seck) que logo se fica com vontade de atirar a prudência e o rigor pela janela. É quando o facto dá lugar à fantasia que, no Senegal, a música almeja a transcendência – esta antologia relembra-o.

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