Açulado por berros, urros e uivos, que na sua banda-sonora faíscam
como relâmpagos numa noite escura, ‘Tales of Mozambique’, o tema-título deste
fabuloso LP, dá voz aos medos do homem branco. Pelo menos, a tanto ambicionava
Sam Clayton, filósofo e orador da seita rastafári, quando se punha a recitar a estória
de como um naufragado, febril e sedento Vasco da Gama, no dia de Natal de 1492,
ao ter finalmente dobrado o Cabo da Boa Esperança, foi dar à costa moçambicana,
de como foi salvo por gentes que aí viviam em perfeita liberdade e de como,
logo de seguida, as traiu. “Desde então,” conclui, “foi só sangue, suor e
lágrimas para o povo moçambicano. Mas a luta continua!” E grita este “a luta
continua” assim mesmo, em português de punho erguido, e nem a Frelimo faria melhor.
É curioso. Até porque “Tales of Mozambique” foi lançado em 1975, já após os Acordos de Lusaka e no ano em que se formalizou a independência do país. Seria de esperar que a Soul Jazz falasse no assunto. Mas a editora prefere passar a palavra ao filho de Count Ossie, e Sam Williams acha que o disco é “como um livro de História”. Dificilmente. A não ser num mundo em que não se verifiquem os factos, pois nada do que aqui se conta tem a ver com a verdade: não tem o 1492, que queria à viva força fazer coincidir a chegada de Gama a Moçambique com a de Colombo às Bahamas, não tem a referência ao Natal e menos ainda a assunção de que teria sido o navegador a instituir a escravatura na África Oriental. Nem Gama foi Bartolomeu Dias. Mas o mal estava feito e em 1976 era Hugh Masekela a cantar: “Everybody sez that he’s to blame/ For all colonization”. Este asco a Vasco não viu Camões. Enfim, seja como for, igualmente importante é não esquecer que este descomprometimento específico com a realidade só nasceu porque houve quem quisesse evocar uma experiência que não conhecia mas cujas dores não parava de sentir, e lembrar uma existência que por mais remota que fosse não cessava diariamente de lhe assomar ao espírito. (No original, para não se perder o sotaque) Ossie disse: “Yah know, man was anxious, all o’them time, to know the answers to puzzles about himself and his race.” É a isto que soam.
É curioso. Até porque “Tales of Mozambique” foi lançado em 1975, já após os Acordos de Lusaka e no ano em que se formalizou a independência do país. Seria de esperar que a Soul Jazz falasse no assunto. Mas a editora prefere passar a palavra ao filho de Count Ossie, e Sam Williams acha que o disco é “como um livro de História”. Dificilmente. A não ser num mundo em que não se verifiquem os factos, pois nada do que aqui se conta tem a ver com a verdade: não tem o 1492, que queria à viva força fazer coincidir a chegada de Gama a Moçambique com a de Colombo às Bahamas, não tem a referência ao Natal e menos ainda a assunção de que teria sido o navegador a instituir a escravatura na África Oriental. Nem Gama foi Bartolomeu Dias. Mas o mal estava feito e em 1976 era Hugh Masekela a cantar: “Everybody sez that he’s to blame/ For all colonization”. Este asco a Vasco não viu Camões. Enfim, seja como for, igualmente importante é não esquecer que este descomprometimento específico com a realidade só nasceu porque houve quem quisesse evocar uma experiência que não conhecia mas cujas dores não parava de sentir, e lembrar uma existência que por mais remota que fosse não cessava diariamente de lhe assomar ao espírito. (No original, para não se perder o sotaque) Ossie disse: “Yah know, man was anxious, all o’them time, to know the answers to puzzles about himself and his race.” É a isto que soam.
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