25 de novembro de 2017

Eddie Daniels & Roger Kellaway “Just Friends: Live At The Village Vanguard” (Resonance, 2017)



Se a moda pega, depois de “All the Money in the World”, de Ridley Scott, do qual foi afastado em virtude do escândalo em que se vê envolvido, qualquer dia voltam à fase de rodagem mais filmes protagonizados por Kevin Spacey – uma maneira de Hollywood apagar históricos menos abonatórios do seu browser. Seja como for, cinéfilos prudentes não deixarão de reavaliar a sua relação pessoal com títulos como “Os Suspeitos do Costume” ou “Beleza Americana”, para não falar, já, de “Bobby Darin – O Amor é Eterno”, esse ensaio biográfico arrogante e embalsamado cuja flagrante insinceridade e deslealdade traía o objeto que se diria venerar – isto é, em que Spacey faz mais de si próprio do que de outra personagem qualquer. Dir-se-ia que, aí, então, não terá aprendido nada com Roger Kellaway (o seu diretor musical e um antigo colaborador de Darin), daqueles que sabe que uma reconstituição bem-sucedida se deve agarrar ao maior número possível de significantes. Nessa perspetiva, através da peça em stride piano que acompanhava os créditos finais do programa, Kellaway havia contribuído de forma notável para um extraordinário documento de época (a série “Uma Família às Direitas”) que, entre muitas outras coisas, denunciava a memória cultural seletiva como uma construção artificial do coletivo – sugerindo que seria disso mesmo, aliás, que o revisionismo se alimenta. 

Ou seja, Kellaway nunca foi um conservador, mesmo quando se dedicou à idealização do passado (‘May I Interest You in a Little Recreation While You Sleep?’, chamou a um tema de “Nostalgia Suite”, um disco de 1979 aliviado pelas propriedades carminativas da ironia). Relembra-o, agora, este registo inédito de uma atuação sua com os virtuosos Eddie Daniels, Buster Williams e Al Foster, no Village Vanguard, a 26 de novembro de 1988: há improvisação livre (na introdução de ‘Just Friends’), Mozart na selva (‘Wolfie’s Samba’, uma adaptação do Allegro do “Quinteto para Clarinete”), modalismos levantinos numa dieta rigorosa de cartoon music (‘The Spice Man’, com uma delirante sequência de fusas a testar as Leis de Newton), enfim, provas inequívocas de que o jazz em Nova Iorque no período Irão-Contras/eleição de George H. W. Bush não foi apenas o vácuo de conformismo que se chegou a supor. Com música desta em arquivo, até se perdoa à Fundação Rising Jazz Stars, proprietária da Resonance, a preferência por um tempo que já lá vai.

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