Se a
moda pega, depois de “All the Money in the World”, de Ridley Scott, do qual foi afastado em virtude do escândalo em que se vê envolvido, qualquer dia voltam à
fase de rodagem mais filmes protagonizados por Kevin Spacey – uma maneira de
Hollywood apagar históricos menos abonatórios do seu browser. Seja como for, cinéfilos prudentes não deixarão de
reavaliar a sua relação pessoal com títulos como “Os Suspeitos do Costume” ou
“Beleza Americana”, para não falar, já, de “Bobby Darin – O Amor é Eterno”, esse
ensaio biográfico arrogante e embalsamado cuja flagrante insinceridade e
deslealdade traía o objeto que se diria venerar – isto é, em que Spacey faz
mais de si próprio do que de outra personagem qualquer. Dir-se-ia que, aí,
então, não terá aprendido nada com Roger Kellaway (o seu diretor musical e um antigo colaborador de Darin), daqueles que sabe que uma reconstituição bem-sucedida se
deve agarrar ao maior número possível de significantes. Nessa perspetiva, através
da peça em stride piano que acompanhava os créditos finais do programa, Kellaway havia contribuído de forma
notável para um extraordinário documento de época (a série “Uma Família às Direitas”) que, entre muitas outras coisas, denunciava a memória cultural
seletiva como uma construção artificial do coletivo – sugerindo que seria disso
mesmo, aliás, que o revisionismo se alimenta.
Ou seja, Kellaway nunca foi um
conservador, mesmo quando se dedicou à idealização do passado (‘May I Interest You in a Little Recreation While You Sleep?’, chamou a um tema de “Nostalgia Suite”, um disco de 1979 aliviado pelas
propriedades carminativas da ironia). Relembra-o, agora, este registo inédito de
uma atuação sua com os virtuosos Eddie Daniels, Buster Williams e Al Foster, no
Village Vanguard, a 26 de novembro de 1988: há improvisação livre (na
introdução de ‘Just Friends’), Mozart na selva (‘Wolfie’s Samba’, uma adaptação
do Allegro do “Quinteto para
Clarinete”), modalismos levantinos numa dieta rigorosa de cartoon music (‘The Spice Man’, com uma delirante sequência de
fusas a testar as Leis de Newton), enfim, provas inequívocas de que o jazz em
Nova Iorque no período Irão-Contras/eleição de George H. W. Bush não foi apenas
o vácuo de conformismo que se chegou a supor. Com música desta em arquivo, até
se perdoa à Fundação Rising Jazz Stars, proprietária da Resonance, a
preferência por um tempo que já lá vai.
Sem comentários:
Enviar um comentário