11 de novembro de 2017

Miles Davis “The Legendary Prestige Quintet Sessions” (Concord, re. 2017)


Farta em controvérsia, há, na História da indústria fonográfica, uma categoria própria para este tipo de edições. Aliás, tal era a sua fama na altura (e infâmia, escusado será dizer) que, em 1980, desejando ver-se livres de um acordo com a Charisma mas sem abandonar a ironia trágica, os Monty Python não acharam nenhuma contradição em colocar nas lojas um LP chamado “Contractual Obligation Album”. Regra geral, tudo se passava conforme o célebre ditame de Michelle Williams proferido a propósito de “People Like Us”, o último disco dos The Mamas & the Papas na Dunhill: “Soa exatamente ao que é; quatro pessoas a tentar evitar um processo judicial.” Mas naturalmente há exceções, entre as quais esta: Miles a cumprir calendário com a Prestige, quando tinha já chegado a um entendimento com a Columbia, e, não obstante, a pôr à vista a ambição artística que leva um grupo a passar da fase de larva à de crisálida. 

Registado em três sessões de estúdio (a 16 de novembro de 1955, faz esta semana que vem 62 anos, e a 11 de maio e 26 de outubro de 1956), trata-se de um incontornável, incalculável e incalcinável legado que, de modo muitíssimo anacrónico, a sua ex-editora foi lançando entre 1956 e 1961, em álbuns como “The New Miles Davis Quintet”, “Cookin’ With The Miles Davis Quintet”, “Relaxin’ With The Miles Davis Quintet”, “Workin’ With The Miles Davis Quintet” e “Steamin’ With The Miles Davis Quintet”. Pletórico e errático, mas, ainda assim, incapaz de produzir material supérfluo ou absolutamente parafrástico, é um aparatoso período de transição captado em tempo real, uma série de instantâneos que revelada passo a passo impressiona mais pelo que possui de preliminar e provisório do que de definitivo. Daí, também, a importância desta antologia (organizada em 2006, reeditada em novo formato no ano passado e agora reposta no mercado): por ordem cronológica, esta perigosa aventura de Miles, Coltrane, Red Garland, Paul Chambers e Philly Joe Jones readquire a sua qualidade distintiva – articulada e ao mesmo tempo evasiva, descontraída e desconfortável em simultâneo, de uma espontaneidade a roçar o embaraço e, no entanto, grotesca e graciosa em partes iguais. Aquela ginga infantil que, uma vez domesticada, se transformou no passo de gigante que conduziu a "Milestones" e "Kind of Blue". Nada ficou como antes.

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