O processo criativo de Anouar
Brahem é algo velado. Era ele que mo dizia, há três anos, em Munique, enquanto passávamos
os olhos por um complexo menu no bar do Hotel Vier Jahreszeiten Kempinski.
Falávamos a propósito do prodigioso “Souvenance”, o seu oitavo álbum na ECM, e ele
explicava-me que, a princípio, ao compor, não “vislumbrava um lugar para o Björn [Meyer,
baixista] e o Klaus [Gesing, clarinetista]”, gente que consigo tocava desde 2008
e sem a qual não se imaginava agora o disco a passar. Mas andavam juntos em
digressão e, sem que se soubesse, a comitiva começava a ser acompanhada pela
frustração: “sentia uma enorme coesão” em concerto, prosseguia o tunisino,
desejava que continuassem a trabalhar em conjunto e “pura e simplesmente não
havia espaço para eles nesta música.”
Assim de repente, prestando atenção à
capa deste “Blue Maqams”, em que logo se vislumbram os nomes de Dave Holland,
Jack DeJohnette e Django Bates, um trio de agendas com poucos tempos mortos, dir-se-ia
que Brahem cedeu a essa crença vacilante no seu próprio grupo (que o pianista
François Couturier normalmente completa) e que ao mesmo tempo procurou suprir a
falta que sabe que o seu grupo lhe faz. Ou seja, que agiu com premeditação. No
entanto, nada estará mais longe da verdade. Como ele conta em notas de
apresentação: “Como de costume, comecei a pensar neste disco de forma muito
confusa, deixando que as ideias até mim viessem sem condicionantes em termos de
estilo, forma, instrumentação. Depois, sem dar por isso, foi-se aos poucos
afirmando o desejo de misturar os sons do piano e do alaúde aliado à ambição de
associar a essa frágil combinação instrumental uma efetiva secção rítmica de
jazz.” São palavras que trazem à memória o extraordinário “Istikhbars and
Improvisations”, de Mustapha Skandrini, de 1965, uma das primeiras gravações a
provar que as modulações microtonais da música árabe se podiam expressar ao
piano. Cerca de 50 anos depois, é como se o Magrebe entrasse no seu período
azul.
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