Como explica com frequência Hans Abrahamsen (cf. “The Courage of Composers and the
Tyranny of Taste”, de Bálint András Varga), há momentos na vida de um
compositor em que se vai tão longe que se corre o risco de não se conseguir
voltar atrás. No seu caso, claro, refere-se àquele período em que deixou de
compor (entre 1988 e 1998) e em que passava horas, parado, a olhar para uma
página em branco – imagina-se Ernest Shackleton, na Expedição Antártica
Britânica de 1907-09, fitando um glaciar a perder de vista até, por fim, se
decidir a salvar o pouco que podia e tornar à base sem chegar a atingir o polo
sul. Esta ideia de inversão é cara ao dinamarquês. Basta pensar na sua
prodigiosa “Winternacht”, em que a obra percorre as quatro estações do ano na
ordem seguinte: inverno, depois outono, verão e primavera. A aproveitar a
deixa, também o programa desta integral dos seus quartetos de corda parte do
mais recente (2012) rumo ao mais antigo (1973) sem transmitir a ideia que se
trata de um movimento regressivo.
Pelo contrário, da mesma forma que, por
vezes, no que possui de mais espontâneo e expansivo, a música de Abrahamsen dá
mostras de resultar da interpretação da mente pelo mundo quando o oposto será correto,
aqui, pôr os ponteiros do relógio a andar para trás é uma maneira de chegar
mais depressa ao presente. Por exemplo, será impossível escutar o “Quarteto de
Cordas Nº 1” sem pensar em “Schnee” (2008), com aquele mesmo som rarefeito,
feito de harmónicos, como quando se passa a ponta de um dedo pela borda de um
copo de cristal. O mesmo se dirá do “Quarteto de Cordas Nº 4”, embora este
provenha de um ponto com pressão atmosférica tão baixa que nem tom tem, ainda
que o insinue – como à noite, no campo, quando o chiar das dobradiças
enferrujadas de dois portões isolados a tremer ao vento aparenta simular um
diálogo. Recorrente em Abrahamsen, é uma ideia simples e radical: que não há
som suficientemente remoto que não faça parte da nossa consciência – a História
é o agora.
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