Em 1986, o mundo inteiro ouvia música sul-africana.
Quer dizer, sim, se descontarmos o facto de que escutar os Ladysmith Black
Mambazo em, digamos, ‘Diamonds on the Soles of Her Shoes’, do álbum
“Graceland”, de Paul Simon, e sugerir que se entrava em contacto efetivo com a música
de Joanesburgo seria mais ou menos o mesmo do que achar que, em 1934, os
visitantes da 1ª Exposição Colonial Portuguesa tinham ficado a saber como era a
vida em Tombali, na Guiné Bissau, ao ver aqueles pobres balantas a andar para a
frente e para trás, de piroga, num lago dos jardins do Palácio de Cristal. Pelo
contrário, Simon fez um favor aos serviços de contrainformação de P. W. Botha
ao cercar-se pelo que mais parecia um conjunto de figurantes da série
televisiva “Shaka Zulu” do que contemporâneos seus. Pois, ao vê-los e ouvi-los,
quem diria que a África do Sul se encontrava, então, em estado de emergência? Ou
que milhares de opositores ao regime do apartheid
eram detidos sem direito a um julgamento justo?
Quando Simon se apercebeu que a
música daquela cassete pirata de que tanto gostava vinha daí, pensou: “Que pena
não ser, antes, do Zimbabwe, do Zaire ou da Nigéria! A minha vida ficaria tão
mais simples!” Só a dele, claro – não a de quem, na altura, estivesse sob a
mira de Mugabe, de Mobutu ou de Babangida. Crucialmente para esta história, o
sucesso de Simon (e dos Ladysmith Black Mambazo) teve outro efeito perverso, ao
impedir ainda o acesso à música sul-africana que mais se ouvia na África do
Sul: bubblegum. Dá-la a conhecer,
hoje, dir-se-ia a missão de vida de David Durbach, organizador da presente
compilação mas também de “Boogie Breakdown: South African Synth-Disco,
1980-1984” (Cultures of Soul, 2016) e “Pantsula!” (Rush Hour, 2017). Trata-se de
uma versão africanizada de euro disco
capaz de cortar nas gorduras quando é preciso mas igualmente anfetamínica,
embora feita para celebrar pequenas vitórias (não se imagina melhor banda
sonora para acompanhar a lei que aboliu a interdição a “sexo inter-racial”, por
exemplo): é que dançar ao som de Ntombi Ndaba, Ozila, Zoom, Stimela, Monwa
& Sun e Condry Ziqubu até amanhã de manhã era a melhor maneira de fintar o
recolher obrigatório.
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