A 30 de junho de 2013, num post de Facebook que refletia uma disposição orgânica em falar
muitas línguas, Sergei Babayan anunciava uma estreia mundial: “Amanhã! Martha
Argerich Project, Lugano. Dueto: Prokofiev – Romeu & Julieta, Suíte do ballet em 10 andamentos para 2 pianos
(transcrição S. Babayan). Streaming: Radiotelevisione
svizzera.” Como é hábito, tratou-se de uma edição do festival repleta de vedetas:
Argerich teve a seu lado Mischa Maisky, Gabriela Montero, Lilya Zilberstein, Andrey
Baranov, os irmãos Capuçon e Argulis e, por intermédio de Babayan, os Capuletos
e os Montéquios – como se costuma dizer, mais galácticos a controlar o
próprio ego só no balneário do Santiago Bernabéu. Mas, por algum motivo, a
atuação da anfitriã com o convidado arménio não se viu incluída em “Martha
Argerich & Friends: Live from Lugano 2013”, o triplo CD lançado em maio do
ano seguinte. Descuido que, entretanto, terá permitido rever, alargar e testar
o projeto, pois não só Babayan acrescentou à suíte outras duas peças extraídas
a “Romeu e Julieta” como a complementou com mais transcrições suas para dois
pianos a partir da obra de Prokofiev para o palco e grande ecrã (achados com
origem em “Hamlet”, “Eugene Onegin”, “A Rainha de Espadas”, “Valsas de Pushkin”
e “Guerra e Paz”) – programa que logo dedicou a Argerich e que têm apresentado
conjuntamente em apoteóticos recitais.
Não é para menos. Dir-se-ia que há muito
não surgia uma gravação capaz de conciliar tão bem as linhas de força que o
compositor identificava na sua obra: o clássico, o moderno, o motor, o lírico,
o grotesco. Nessa medida, Babayan esteve praticamente mediúnico. Pois, basta
comparar o que aqui se escuta com a versão para piano de “Romeu e Julieta” que
Prokofiev apresentou em 1937 para se perceber, ao certo, a que soaria uma
transcrição do ballet que, mais que a
censura, tivesse sido capaz de iludir a autocensura. Ou seja, Babayan e
Argerich não perdem tempo a pensar na Verona medieval: isto é pura Moscovo da
Grande Purga, com Prokofiev a ter de prestar muita atenção aos editoriais do
“Pravda”, a recear o toque do telefone à noite, a perceber, aos poucos, o
inferno em que se foi meter. Esta tragédia é a dele.
Sem comentários:
Enviar um comentário