Demorou uns meses a cá chegar, vindo, ali, pelo
Estreito de Otranto, onde o Adriático e o Jónico insistem em dar-se a conhecer
um ao outro. Como escreveu Predrag
Matvejevic, “o Atlântico e o Pacífico são mares de distância, o Mediterrâneo é
um mar de vizinhança, o Adriático é um mar de intimidade”. Poderia igualmente
ter dito isolamento, o que talvez revelasse mais acerca do carácter das suas
gentes. Aliás, até à morte de Enver Hoxha, ao falar-se da Albânia, recorria-se
com frequência ao substantivo (“A ver se me entendem: os muros da nossa
fortaleza são feitos a partir de inabalável pedra granítica”). Talvez Joe Boyd,
o aposentado produtor inglês, pensasse nessa frase do antigo chefe de
governo da ex-República Popular Socialista à medida que ia assistindo,
maravilhado, a atuações de trupes regionais durante a última edição do Festival
Nacional de Folclore, em maio de 2015, na cidadela de Gjirokastra, embora nos
seus apontamentos tenha, antes, transcrito um excerto de “Crónica da Cidade de
Pedra”, de Ismail Kadaré: “O viajante que aí chega é imediatamente impelido a
comparar o que vê com alguma coisa, mas cedo percebe que se trata de uma tarefa
impossível. A cidade resiste a qualquer comparação.”
Boyd publicou um artigo sobre
a visita na revista “Songlines” (“As Minhas Aventuras Albanesas”) em que marcava
diligentemente todas as casas no teste de aferição do Complexo de Messias – e entende-se
que recorra a citações para disfarçar a sua própria dificuldade em descrever o
que sentia. Mas – e agora sou eu que o estou a fazer – podia ter lembrado
Evliya Çelebi, que, no século XVII, visitou Gjirokastra e a apelidou de “cidade
das lamentações”: “As famílias reúnem-se ao domingo e pagam a jeremias
profissionais que se queixam sofridamente, que se lastimam e fazem lamúrias. E
é impressionante como choram com tanto sentimento mortos com os quais nem
sequer são aparentados.” Dir-se-ia uma forma de compreender parte do que aqui
se passa, com Boyd a reunir Adrianna Thanou, Donika Peçollari, Telando Feto ou
Agron Murat para ele mesmo regressar à vida – ele e, claro, todos nós.
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