Quando no passado dia 2 de março subiram ao palco
do clube de jazz Vortex, em Londres, dir-se-iam velhos camaradas de armas
reencontrados. E é possível que na assistência os imaginassem a pôr o
calendário a andar para trás nos bastidores enquanto comparavam barrigas e diziam
bem dos vivos e melhor dos mortos e se punham à cata de fotos nos telemóveis e
a recomendar urologistas um ao outro. Mas Dave Holland e Evan Parker não vinham
armados, apenas, com 50 anos de recordações na bagagem: tinham bem presente a gravação
deste prodigioso “Uncharted Territories”. Até, porque, lá está, estas duas
veteranas e venerandas figuras da música improvisada britânica não haviam
tocado, assim, tantas vezes em conjunto: uma vistoria rápida às prateleiras
atribui-lhes créditos partilhados em “Karyobin”, do Spontaneous Music Ensemble
(Island, 1968), “Fables”, de Company (Incus, 1980), “The Ericle of Dolphy” (Po
Torch, 1989) e “Music for Large and Small Ensembles”, de Kenny Wheeler (ECM,
1990).
Aliás, já agora, que se passam as estantes em revista, e tendo em conta
o título deste novo disco que partilham, pega-se em “Portugaliae Monumenta
Cartographica” e dá-se no prefácio com uma frase batida: “Há momentos
Históricos que são decisivos para a vida dos povos.” Num documentário sobre
Dave Holland, inclusivamente de modo a explicar esta falta de convergência com
o percurso de alguém com que possui muito em comum, esse momento equivale
àquele telefonema que recebeu também há 50 anos e em que lhe davam três dias
para fazer a mala e se apresentar em Nova Iorque ao serviço de Miles Davis. De
facto, o resto foi História. Nessa perspetiva, “Uncharted Territories” é, de
novo, uma emancipação – um gesto a favor de uma arte pura que depende de cada
partícula de som tanto quanto a História deriva de cada segundo que passa, a
insinuar situações e sentimentos que só na mente de quem a ouve se concretizam.
Há um aforismo de Andy Partridge, que a capa deste disco lembrou, que diz que a
“vida é como um puzzle”: que nos dá as peças a direito mas nos deixa um buraco
no meio. Esta música enche esse vazio.
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