Isto é
o “fim de um ciclo”, explica Barre Phillips, em notas de apresentação: “Não
tanto um resumo quanto efetivamente o derradeiro capítulo de um diário que
começou a ser escrito há cinquenta anos.” Como é óbvio, trata-se de uma
referência a “Unaccompanied Barre”, o seu primeiro disco, gravado em Londres,
numa igreja, em novembro de 1968 (nos EUA foi editado como “Journal Violone”), registo
que se tem comummente como o mais antigo de todos no contexto da improvisação
livre em contrabaixo solo. Nessa medida, Phillips está para o instrumento como
Douglas Engelbart – que no mesmo ano organizou a demonstração inicial do
‘rato’, da videoconferência ou do processador de texto – está para a informática,
sendo que de certo modo especularam ambos sobre os limites da competência intelectual
do ser humano. É um aspeto algo desacorçoante na produção de Phillips, não
obstante a capacidade de invenção que sempre demonstrou, e um que se associa
com frequência a quem, como ele, vive em zonas de fronteira.
Aliás, principalmente
desde que veio para a Europa a sua área de ação tem sido exatamente essa que se
encontra para lá de toda a superfície explorada – na contracapa de um dos seus
melhores álbuns, “Call Me When You Get There”, está um mapa desenhado à mão em
que as indicações servem de título aos temas, mas a reprodução de um
contrabaixo e de uma seta a apontar para a expressão hic sunt dracones (usada pela cartografia para designar territórios
desconhecidos) traduziria bem melhor o seu conteúdo. Diga-se de passagem, por
vezes, Barre até dá mostras de fazer música para dragões – e nenhum
maior que o protagonista de “Doc’s Kingdom”, o filme que Robert Kramer veio há
30 anos filmar a uma Lisboa entretanto mais desaparecida do que a de Marina Tavares Dias, e
que Phillips musicou, com aquelas personagens estranhamente sedutoras mas capazes
de temperar a carência com o vinagre da hostilidade. Foi também em Lisboa, em
2008, numa mesa-redonda promovida pelo festival Jazz em Agosto, que resumiu o sentimento
que este seu belo disco a solo (que pretende final) traduz: “Isto é trabalho
para uma vida inteira. Até que alguém pega nele e lhe põe outra vida em cima.”
Está feito o testamento.
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